Reciclagem de carros economiza matéria prima e garante peças mais baratas
A indústria troca desperdício por sustentabilidade com estratégias de remanufatura, reciclagem, reparo e reúso
Seja por interesse econômico, seja por limitação tecnológica, o desperdício sempre esteve presente na indústria. A escassez de matérias-primas e o impacto ambiental da manufatura, porém, estão obrigando as empresas a reverem conceitos. A saída é economizar materiais e energia criando processos de produção e modelos de negócio e priorizando insumos duráveis, recicláveis e renováveis.
Segundo a Stellantis, que reúne as marcas Fiat, Citroën, Jeep e Peugeot, 55% das emissões de carbono geradas em suas fábricas vêm dos processos produtivos, enquanto os produtos respondem por 45%.
Pensando nesse problema, a Stellantis anunciou em outubro um plano que preconiza a descarbonização baseado em remanufatura, reparação, reúso e reciclagem de componentes. Princípio batizado de 4R, por conta das letras iniciais dos processos.
Segundo o vice-presidente de Peças e Serviços, Paulo Solti, as peças remanufaturadas utilizam 80% menos matérias-primas e 50% menos energia, na comparação com as similares novas. “Isso significa menor demanda de recursos e otimização do processo produtivo, que é mais simples do que a fabricação de uma peça nova”, diz o executivo. “Consequentemente, há efetiva redução na emissão de CO2 e benefícios para o meio ambiente”, completa.
Essas estratégias de reaproveitamento de componentes se insere em um modelo de negócio que as fábricas chamam de economia circular, em que os recursos não perdem utilidade no final do ciclo de vida.
Esse plano da Stellantis é mundial e inclui o Brasil. Por aqui, a empresa nomeou parceiros para sua execução. Dos quatro erres (remanufatura, reparo, reúso e reciclagem), dois já foram implementados: reciclagem (com iniciativas dentro e fora das fábricas da empresa) e remanufatura. Os outros estão previstos para 2023/24.
Peças remanufaturadas, para modelos das quatro marcas citadas anteriormente, já são oferecidas ao mercado. De acordo com a Stellantis, atualmente existem 100 componentes de cinco famílias: alternadores, caixas de direção, câmbio automático, motor de arranque e turbocompressor. E, em breve, haverá também injetores de combustível e bombas de alta pressão. Esses componentes têm marca própria chamada Sustainera (Sustain + Era, que pode ser entendido como “era da sustentabilidade”).
Segundo a Stellantis, essas peças remanufaturadas custam 40% menos que as novas e têm um ano de garantia, se instaladas nas redes autorizadas das marcas, e três meses, se compradas em lojas de autopeças instaladas em oficinas independentes.
Outros desafios
A Toyota é outra marca que investe nesse sentido. Até 2050, a japonesa pretende firmar pelo menos 100 parcerias com empresas de reciclagem de veículos em diferentes países ao redor do mundo. No Brasil, a Toyota se associou à startup Green Way for Automotive (GWA), sediada em Gravataí (RS), com o objetivo de promover métodos e técnicas de desmontagem e reciclagem de veículos em final de vida.
“O Brasil possui uma das maiores frotas mundiais, mas ainda recicla muito pouco”, diz o diretor da GWA, Wladi Freitas de Souza. Atualmente, a GWA recicla cerca de 50 veículos por mês e tem o objetivo de triplicar esse volume em breve. A empresa informa que fechou acordo com a rede de oficinas credenciadas Bosh Car Service, no mês passado, e no momento está em negociação de parcerias com outras montadoras.
“Estamos trabalhando junto com fornecedores e parceiros para conseguirmos aproveitar tudo o que pode ser reaproveitado nos veículos. A grande questão é conseguir que plásticos, alumínio, aço e borrachas mantenham a qualidade depois de serem retirados”, explica Souza.
Outro desafio é equilibrar os custos da desmontagem e a receita gerada por algumas matérias-primas obtidas. “Hoje, a venda de estofamentos, forrações, borrachas e vidros obtidos com a reciclagem não cobre custos com desmontagem e separação e destinação, afirma o diretor de Operações da GWA, André Henrique Britto.
Apesar de não haver legislação específica para a reciclagem de automóveis, existem duas leis que estimulam a prática. A primeira é a 12.305/10, responsável pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), e a outra é a 14.260/21, que criou o Fundo de Apoio para Ações Voltadas à Reciclagem (Favorecicle) e Fundo de Investimentos para Projetos de Reciclagem.
Paralelamente, a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) desenvolveu um manual de destinação de materiais veiculares no intuito de estabelecer as melhores práticas para a atividade.
Aquelas cenas de carros sendo destruídos ou amontoados em terrenos serão cada dia mais raras. Os novos modelos não terão mais essa destinação e até mesmo os antigos, que ainda resistem ao tempo (comprados em leilões já sem pendências legais), passarão a ser reaproveitados de diferentes formas.
Segunda vida
Dentro do conceito 4R, a remanufatura prevê a utilização de peças já usadas, gastas ou até defeituosas, completamente desmontadas, limpas e refeitas de acordo com as especificações originais. Essa utilização pode ocorrer nos modelos usados, mas também nos que saem das linhas de montagem. A reparação trata de componentes gastos que, ao invés de serem substituídos por novos, são reparados e reinstalados nos veículos (a popular prática do comércio à base de troca).
O reúso, como o nome diz, aproveita peças que são usadas mas ainda funcionam e estão em bom estado. São peças recuperadas de veículos que chegaram ao final da vida útil (são os componentes vendidos nos desmanches ou sites especializados no comércio de peças usadas). E a reciclagem transforma os materiais usados nos automóveis já fora de circulação em insumos para a produção de novos modelos.