Publicado originalmente em janeiro de 2012
A indústria automobilística brasileira não tinha nem uma década de vida quando o governo federal criou pela primeira vez um incentivo para tornar o carro um produto mais acessível.
Era 1965 quando foi criada uma linha de crédito para automóveis zero-quilômetro. O principal requisito era um teto de preço muito baixo, o que obrigou fabricantes a cortar itens de série de alguns modelos.
Surgiram DKW Pracinha, Simca Profissional e Willys Teimoso. A opção da Volks, que teve origem no Fusca, seu carro mais barato, ganhou o nome “Pé de Boi”. Casou tão bem com o projeto que até hoje é usado como apelido para versões básicas bem despojadas de equipamentos.
A melhor maneira de descrever o Pé de Boi é listar o que lhe faltava. Abdicava de tudo que não fosse essencial a um carro pela legislação de trânsito. Por fora, nada de frisos, retrovisores ou piscas na parte superior dos para-lamas dianteiros. Não havia sequer o emblema VW no capô dianteiro.
Entre as cores, só duas opções: cinza claro e azul pastel. Em vez de cromados, aros dos faróis, calotas e para-choques exibiam pintura branca. Os tubos superiores e as garras dos para-choques também foram eliminados.
Por dentro, faltava-lhe tudo: grade do alto-falante do rádio, tampa do porta-luvas, alça de apoio, cinzeiro e marcador de combustível – no lugar, usava-se uma vareta imersa no tanque. Tampouco havia aquecedor, iluminação, porta-objetos na porta, apoio de braço, para-sol e borracha no acelerador.
A forração dos bancos era mais simples e o encosto não oferecia regulagem. Os vidros traseiros eram fixos, limitando a ventilação, e o macaco vinha solto no porta-malas, onde ficavam as ferramentas, que foram poupadas da sanha economista, mas foram simplificadas.
Em junho de 1966, QUATRO RODAS publicou seu único teste com o mais simples dos Fusca. Expedito Marazzi notava que o que sobrou no carro era de boa qualidade e bem pintado. “Sua direção bem pouco reduzida atende rápida às solicitações”, ele escreveu.
O motor, de 1200 cm³, trabalhava redondo em qualquer rotação e acelerava bem até 80 km/h. “O carro chega a saltar, quando sai da imobilidade.” Engates fáceis de marcha, embreagem e freios mereceram outros elogios. Porém a falta de forração completa na traseira implicava em nível de ruído maior.
O exemplar 1965 das fotos pertence desde 2007 a um colecionador paulista. Era de uma mulher que ganhou o carro já velho numa rifa. “Ele conservava boa parte das características originais, como forro de teto só no centro”, conta o dono. Foi preciso dois anos de restauro para deixar como original um dos raros remanescentes dessa versão no Brasil.
Muitos VW Pé de Boi eram equipados depois com o que faltava, descaracterizando sua simplicidade de fábrica. Como carro ainda era um símbolo forte de status na época, a ideia dos primeiros populares nacionais não vingou.
Os últimos Pé de Boi deixaram a fábrica de São Bernardo do Campo em 1966. O carro popular só voltaria, dessa vez com maior força, desde a chegada do Fiat Uno Mille, em 1990.
Ficha técnica – Volkswagen Pé de Boi
Motor: traseiro, boxer, 4 cilindros, 1 192 cm³, carburação simples, a gasolina
Diâmetro x curso: 77 x 64 mm
Taxa de compressão: 6,6:1
Potência: 36 cv a 3 700 rpm
Torque: 7,7 kgfm a 2 000 rpm
Câmbio: manual de 4 marchas, tração traseira
Dimensões: comprimento, 407 cm; largura, 154 cm; altura, 150 cm; entre-eixos, 240 cm; peso, 680 kg
Suspensão: Dianteira: barras de torção (feixes)Traseira: barras de torção (cilíndricas)
Freios: a tambor, hidráulicos
Pneus: aço 4J x 15, pneus 5,60 x 15
Teste – QUATRO RODAS junho de 1966
Aceleração 0 a 100 km/h – 47,6 s
Velocidade máxima – 107 km/h
Frenagem 80 km/h a 0 – 23,6 m
Consumo – 8,5 a 10 km/l (cidade) e 10 a 12 km/l (estrada)
Preço
Maio de 1966 – Cr$ 5.017.000
Atualizado em abril de 2023 – R$ 116.074 (IGP-DI-FGV)