A Volkswagen teve chance de evitar aquele que muito provavelmente foi o seu maior erro das últimas décadas: não ter lançado um Voyage derivado do Gol “Bolinha”, a segunda geração do hatch compacto. Protótipos, pelo menos, foram criados.
Na verdade, o VW Voyage “Bolinha” chegou a ser modelado em versões de duas e quatro portas. O ex-designer da VW, Luiz Alberto Veiga, mais uma vez abriu seu “baú” para compartilhar fotos da época em que fez parte da equipe de design da fabricante.
A proposta de uma segunda geração para o Voyage começou ainda no início dos anos 1990, quando a proposta da segunda geração do Volkswagen Gol foi apresentada em Wolfsburg, na Alemanha. Na mesma ocasião apresentaram um modelo de proporção do Voyage, ainda com 2 portas.
“Mais tarde fizemos outra tentativa de emplacar um Voyage. Mas depois de muita luta e decepções, por ciúmes e demonstrações políticas, o board acabou aprovando o Polo Classic, ainda por cima, montado na Argentina”, explicou Veiga no Instagram.
“Tenham certeza que na vida de um designer existem mais decepções do que vitórias, mas, assim como um jogador, temos que estar, no dia seguinte, prontos pra outra desafio”, completou.
Essa segunda proposta de um Voyage G2 tinha quatro portas e também foi mostrada posteriormente pelo designer, que confidenciou o resto da história: “O modelo feito sem conhecimento do Warkuss [Hartmut Warkuss, designer chefe mundial da Volkswagen à época] e foi interditado por ele na apresentação na Alemanha”.
“Depois de dispensar meu chefe, pediu para que eu tocasse o projeto, já que eu estava morando na Alemanha naquela época. O modelo ficou ótimo. Porém o Chairman da época, José Ignacio López (mais detalhes abaixo), por ser contrariado, decidiu trazer o Polo Classic em seu lugar.”, completou.
Foi um grande erro. O Volkswagen Polo Classic seria o substituto do o Voyage e dois produtos da Autolatina: Logus e Pointer. Contudo, ao mesmo tempo que era maior, também era muito mais caro que o Voyage.
Seu lançamento no Brasil aconteceu em dezembro de 1996, às vésperas do fim da Autolatina. Mas as vendas nunca decolaram: chegou ao ponto de a Volkswagen criar um Polo Classic 1.0 16V em 2001, que só foi vendido aos seus funcionários.
O Polo Classic foi um fiasco no Brasil e saiu de linha em 2002 devido às baixas vendas. A produção na Argentina, porém, seguiu até 2008 – justamente quando o Voyage foi relançado com base na última geração do Gol.
O estopim do fim da Autolatina
Em meados dos anos 1990 a Volkswagen já tinha os Logus e Pointer feitos com a base do Escort, além de carros com motores Ford 1.0 e 1.6, enquanto a Ford tinha o Versailles, sua versão do Santana, e os motores AP. Mas a Ford queria mais da Volkswagen: um carro baseado no projeto do Gol “Bolinha”.
O “Gol da Ford” chegou a ter um modelo em escala real, como revela a foto publicada por Luiz Veiga. Seria uma espécie de notchback, um hatch com a traseira mais esticada como o Escort foi por muito tempo.
Conta o designer que o carro não estava previsto no contrato original e que não faria sentido a empresa ter dois carros brigando entre si. Esse projeto acabou ajudando a acabar de vez com a Autolatina em 1° de janeiro de 1997.
Quem é José Ignacio López?
O espanhol José Ignacio López foi contratado pela Volkswagen em março de 1993 em uma reviravolta histórica: escalou posições na General Motors rapidamente, mas deixou a empresa horas antes de ser nomeado o presidente da GM para os Estados Unidos. López foi para a VW como “Chefe de Otimização de Processos e Compras” junto com outras sete pessoas da GM. Depois, todos foram acusados pela GM de espionagem industrial.
A norte-americana acusava de terem levado os principais segredos da GM, como preços de fornecedores e novos designs de carros compactos da Opel, na época subsidiária alemã da GM. José Ignacio López pediu demissão em 1996, como parte do aparente esforço da montadora alemã para evitar uma longa batalha judicial que poderia custar bilhões de dólares.
A GM entrou com um processo civil contra López em Detroit e em 1997, após um acordo, a Volkswagen pagou à GM 100 milhões de dólares e comprou peças de automóvel no valor de um bilhão de dólares. Só em 2001, López foi indiciado nos EUA por suspeita de levar segredos comerciais da GM, mas a Espanha não permitiu sua extradição. Na Alemanha, seu processo foi encerrado em 1998.
Após sua saída da VW, Lopez se estabeleceu na Espanha como consultor e tentou criar uma nova marca no país. Lopez ganhou fama pela redução de custo de produção de carros da GM e da VW, renegociando preços dos fornecedores. O custo realmente caía, mas o chamado “Efeito López” também resultava em uma notável queda de qualidade nos componentes.