Como a Ucrânia usou sucata dos EUA para dobrar número de carros elétricos
Mecânicos estão importando carros elétricos batidas e considerados sucata nos EUA para driblar alto preço da gasolina na Ucrânia
Devido à guerra com a Rússia, a gasolina tornou-se artigo de luxo entre os cidadãos ucranianos. Os combustíveis estão cada vez mais caros e a grande maioria da população não consegue mais usar seus carros. A solução encontrada para contornar a situação foram os carros elétricos. Ou sucatas de carros elétricos.
Não é que a venda de carros elétricos esteja disparando na Ucrânia. Os modelos europeus, mesmo os mais simples, são muito caros – principalmente para um povo que sofre as consequências de uma guerra. Como uma alternativa mais barata, mecânicos ucranianos estão importando e consertando carros elétricos batidos dos Estados Unidos para depois revender em seu país.
A logística pode parecer complicada, mas acaba saindo muito mais em conta. As seguradoras americanas têm o costume de considerar como perda total qualquer acidente um pouco mais grave com carros elétricos. Isso porque os custos de reparo são altos, além ser perigoso arrumar uma bateria devido ao risco de incêndio e aos vapores tóxicos exalados pelas células danificadas.
Logo, muitos desses carros têm “perda total” mesmo que não tenham danos severos. Esses carros acabaram se tornando uma mina de ouro para os mecânicos ucranianos, que podem comprá-los por um preço muito abaixo do mercado.
O difícil pode ser encontrar as peças, mas graças à grupos de Telegram e Facebook, os proprietários e mecânicos acabam encontrando as partes necessárias. Há casos onde os ucranianos compram até dois carros para colocar um na estrada, como relatou Oleksandr Perepelitsa, um jovem mecânico de Kiev ao site Wired.
Para se ter uma noção, um Tesla Model 3 novo nos EUA custa cerca de U$ 45.000. Os que são vendidos como lixo podem ter preço entre U$ 30.000 e U$ 20.000. Mas há casos onde os ucrânianos conseguem comprá-los por meros U$ 900, como relata o site mexicano Motorpasion.
“Há uma piada aqui (na Ucrânia) de que todas as pessoas pobres dirigem carros elétricos e as pessoas ricas dirigem carros a gasolina. O Tesla é um carro comum e popular porque é muito barato de manter”, conta Ivan Malakhovsky, mecânico ucraniano em entrevista ao Wired.
Existem casos onde os carros não podem ser recuperados. Quando isso ocorre, mecânicos como Malakhovsky, desmontam as baterias e usam as células individualmente para scooters elétricas e até mesmo em drones do exército ucraniano.
Muito lucrativo e favorável para o povo da Ucrânia, essa prática não é recente. Os mexicanos já tinham o costume de fazer isso com carros batidos dos EUA, e mesmo os ucrânianos já importavam elétricos avariados da América antes da guerra. Mas o conflito ajudou a intensificar as importações e, em partes, complicar a logística.
Antes da guerra, os carros chegavam pelo porto de Odessa, na costa ucraniana do Mar Negro. Agora, eles embarcam para portos na Lituânia ou Eslovênia e depois vão de caminhão até a Ucrânia.
De acordo com dados do grupo ucrâniano Automotive Market Research Institute, desde julho de 2021, até o segundo semestre deste ano, o número de elétricos na Ucrânia duplicou, chegando a 64.312 unidades. No geral, a taxa de crescimento de registros de elétricos no país europeu é de 9%, a mesma que a dos EUA e maior do que a de países vizinhos como Polônia e República Tcheca.
Muito disso deve-se à eliminação de impostos e direitos aduaneiros sobre as importações de carros elétricos usados. Outro fator determinante é o custo relativamente baixo da energia, logo, os proprietários podem recarregar seus carros pagando entre U$ 10 e U$ 100, dependendo se usam carregadores domésticos ou postos públicos.
Por falar em postos de carregamento, a infraestrutura da Ucrânia é para lá de eficiente. São cerca de 11.000 eletropostos instalados em todo o território ucrâniano, que tem cerca de 603.628 km², como diz Volodymyr Ivanov, chefe de comunicação da Nissan Motor da Ucrânia.
Comparando com o Brasil, o país do leste europeu só é um pouco maior que o estado de Minas Gerais, que tem 586.528 km². Mas a estimativa é que existam apenas 3.500 eletropostos em todo o território brasileiro.