Elétricos, híbridos ou etanol: qual é o futuro do carro brasileiro?
Estudo encomendado pela Anfavea indica caminhos para a descarbonização do setor automotivo brasileiro no horizonte de 15 anos
O futuro da mobilidade é elétrico. Mas a velocidade com que os motores térmicos serão substituídos por elétricos depende de alguns fatores. Estados Unidos, Europa e mais recentemente China saíram na frente porque tiveram condições favoráveis e necessidade.
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Por condições favoráveis entenda-se investimento, tecnologia, leis e incentivos fiscais e opinião pública sensível à causa (e com poder aquisitivo). E a necessidade se explica pelo fato de esse grupo ser o que mais polui o planeta, além de já terem sentido na própria pele os efeitos devastadores da poluição.
Os EUA combatem emissões desde os anos 1940, quando o ar da cidade de Los Angeles, na Califórnia, se tornava irrespirável, nos dias de inversão térmica. E, na Europa, o caso mais notório é o das chuvas ácidas que matam as florestas e os animais que vivem em rios e lagos, fenômeno verificado desde 1970. Embora hoje a degradação ambiental e suas consequências independam de fronteiras.
Segundo levantamento feito pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e pela consultoria americana BCG (Boston Consulting Group), EUA, Europa e China estão mudando rapidamente o perfil de suas frotas.
Considerando o período entre 2020 e 2035, nos EUA, a participação dos carros movidos a gasolina cairá de 88% para 2%. Na Europa, o mix de 42% (gasolina) e 37% (diesel) passará para 3% e 1%, respectivamente. E, na China, a variação será de 86% para 0%, dos veículos movidos a gasolina.
Esse levantamento Anfavea/BCG faz parte de um estudo que foi apresentado em agosto intitulado “O caminho da descarbonização do setor automotivo no Brasil”.
A pesquisa, que ouviu diferentes entidades da indústria e do governo e empresas de energia e combustíveis, apontou cinco áreas de vital importância para o problema das emissões, que, de forma simplificada, poderiam ser identificadas como governo, investimentos, indústria, energia e mercado.
O estudo traçou três cenários possíveis para o Brasil, que chamou de: Inercial, Convergência global e Protagonismo de biocombustíveis.
No primeiro, como o nome diz, a presença dos elétricos avançaria de forma lenta, no ritmo que se verifica hoje, estimulado por iniciativas isoladas de empresas, entidades de fomento à tecnologia e governos regionais.
Nesse cenário, segundo o estudo, os motores a combustão continuariam dominando o mercado pelos próximos 15 anos, enquanto a eletrificação atenderia segmentos específicos.
Chegaríamos a 2035 com 67% da frota composta por automóveis flex e 32% por veículos eletrificados (híbridos, híbridos plug-in, elétricos puros). O 1% restante seria representado por modelos diesel (considerando sempre o mercado de veículos leves).
No segundo cenário, de Convergência, se criariam as condições necessárias para a virada de chave, com investimentos em toda cadeia, evolução tecnológica e adesão dos consumidores aos elétricos.
Considerando todos os aspectos destacados no estudo, nesse cenário o Brasil poderá viver um novo ciclo de investimentos nos próximos 15 anos, com volume superior a R$ 150 bilhões, de acordo com o estudo Anfavea/BCG.
Isso permitiria que o país chegasse a 2035 com níveis de eletrificação próximos aos dos mercados mais avançados (seriam níveis comparáveis aos que a Europa terá em 2030), com os elétricos respondendo por cerca de 62% do mercado e os flex por 37%.
No terceiro cenário, o etanol assume papel estratégico para a descarbonização, mantendo a eletrificação no nível imaginado no primeiro cenário.
A vantagem desse contexto é o fato de que, com menos investimento necessário em infraestrutura principalmente, chegaríamos a 2035 com um nível de emissões de CO2 10% menor na comparação com o segundo cenário, da Convergência global, e 15% menor, no caso do primeiro, da Inércia (considerando as emissões medidas desde a produção do combustível até o consumo, e não apenas no escapamento.
E que a geração da energia elétrica consumida foi obtida por uma matriz mista, como a brasileira é atualmente, com fontes limpas, como as hidrelétricas; e sujas, como as termelétricas). E é importante lembrar que estamos falando apenas de CO2, que é o maior causador do aquecimento global.
Esse terceiro cenário é percebido como o mais interessante para o Brasil pela VW, que, em julho deste ano, anunciou a criação de um centro de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias baseadas no etanol e em outros biocombustíveis, como forma de integrar a estratégia mundial da marca rumo a um futuro mais sustentável.
Segundo o CEO da empresa, Pablo Di Si, o investimento necessário para a implementação dos elétricos poderia ser aplicado em áreas em que o Brasil tem maior necessidade, como saúde e educação. De acordo com o estudo da Anfavea, só para a instalação de infraestrutura de recarga seriam gastos R$ 14 bilhões (no cenário de número dois).
O carro não é o causador de todo o mal. Conforme o estudo, o maior problema para diversos países está na geração de energia para uso doméstico e industrial.
No caso da China, as termelétricas respondem por 76% do total das emissões do país. No Brasil, a maior parte das emissões de CO2, 35%, vem da atividade agropecuária (flatulência do gado e tratamento do solo com estrume, fertilizantes etc.).
Desmatamento é a segunda causa, com 27% de participação. E o transporte responde por 13%, sendo que 91% do total é de origem rodoviária.
O carro elétrico sozinho, portanto, não é a solução para todos os males ambientais e ainda precisa evoluir para que os automóveis desapareçam de vez das estatísticas de emissões. Isso porque seu processo produtivo polui.
E há problemas sérios como o uso de terras raras na produção dos motores. Esses materiais disponíveis em pouca quantidade na natureza exigem a remoção de montanhas de outros minerais para sua extração, com prejuízo do meio ambiente.
A destinação das baterias é outra questão grave. Mas não faltam investimentos em tecnologias que buscam a solução desses problemas. Renault, por exemplo, que almeja ter 90% de sua oferta composta de carros 100% elétricos até 2030, na Europa, já adota motores que não usam ímãs de metais raros.
E não faltam iniciativas ao redor do mundo com o objetivo de aumentar a capacidade e diminuir o custo das baterias, bem como tornar possível seu reaproveitamento para armazenar eletricidade gerada por usinas fotovoltaicas ou mesmo viabilizar a reciclagem de seus materiais.
O carro elétrico ainda representa um desafio para os países que saíram na frente. Mas, para os que planejam o futuro, ainda é um problema que precisa ser resolvido.