A Alfa Romeo passou décadas encarando planos milagrosos que não deram resultado, apenas prejuízos. Agora, com a apresentação do SUV compacto Milano, inicia uma nova tentativa de reconquistar sua aura esportiva e o alto valor aspiracional de décadas atrás. Mas isso, aparentemente, terá um custo para a marca italiana e também para a Stellantis.
Desde que a Stellantis foi formada, pela fusão entre a FCA e a PSA Peugeot Citroën, em 2021, a Alfa Romeo vem passando por uma espécie de intervenção. Depois de sete anos à frente da Peugeot – com resultados muito bons –, Jean-Philippe Imparato foi desafiado pelo português Carlos Tavares (CEO da Stellantis) para tomar as rédeas da Alfa Romeo.
O francês de ascendência italiana começou aplicando algumas das regras que tinham ajudado a Peugeot a se tornar uma das mais bem-sucedidas entre as marcas generalistas na Europa: reduziu o inventário de opcionais.
“Quando cheguei à fábrica de Cassino havia 4.000 opções para os carros fabricados ali – incluindo 47 diferentes rodas – que diminuímos para 1500”, lembra Imparato. O francês também, atrasou o lançamento do SUV médio Tonale em meio ano para resolver problemas de qualidade que detectou rapidamente, alterou as especificações de motores (decidiu apostar mais no híbrido plug-in com transmissão automática) e pôde aumentar os preços e conteúdos de cada Alfa Romeo. Mas isso foi graças à crise dos semicondutores: decidiram vender carros mais completos e o tíquete médio aumentou em 5.000 euros.
O custo com garantias caiu drasticamente e já em 2023 a Alfa Romeo liderou o respeitado estudo de qualidade inicial da JD Power nos Estados Unidos entre as marcas premium e foi a 3ª melhor de toda a indústria. Em 2023, também se tornou lucrativa ao vender quase 150.000 carros ao redor do mundo, um crescimento que supera os 30% frente a 2022. Metade das vendas corresponde só ao Tonale.
Os milhões de euros em caixa ajudam na reinvenção da marca que começa agora com o Milano, o primeiro Alfa Romeo elétrico (ainda que disponha de versões com motores de combustão). Seu lançamento na Europa será no segundo semestre de 2024. E será o último lançamento com motor a combustão.
A estratégia da Alfa Romeo passa também por uma diminuição da dependência do mercado europeu e doméstico nos próximos anos. Em 2023, ¾ dos lucros foram obtidos na Europa, sendo a metade disso proveniente da Itália. Querem que o resto do mundo responda por 30% até 2025 e por 40% até 2030, quando todos os Alfa Romeo serão elétricos.
Esse plano se chama “De zero a zero”, que faz alusão ao fato de não existir nenhum Alfa elétrico em 2022 quando o plano foi apresentado e não restar nenhum Alfa com motor de combustão em 2027. Os Alfa Romeo estão fadados a deixar de pingar óleo na garagem.
No segundo semestre de 2025 veremos o lançamento da nova geração do SUV Stelvio, que será o primeiro carro do Grupo Stellantis a usar a nova plataforma STLA Grande, associada ao novo “Cérebro STLA” e ao novo conceito de smart cockpit STLA. É difícil antecipar isso, mas essa combinação prevê recursos avançados de conectividade, de sistemas de assistência à condução e de todo o tipo de funções relevantes para os automóveis elétricos no futuro. Com tecnologia de 800 V, espera-se muita performance do sistema de propulsão e das baterias, tanto em termos de consumos/autonomia como de potência/velocidade de carregamento.
Em 2026, no ano seguinte, será a vez do novo Alfa Romeo Giulia ganhar forma sobre a mesma plataforma. O sedã manterá seu nome e continuará sendo fabricado em Cassino, garantindo total independência do novo Dodge Charger. Isto apesar da total reformulação de conceito de veículo no que diz respeito à propulsão total e unicamente elétrica (o Milano é o último Alfa Romeo da história a ter versões a gasolina, tendo como base técnica a plataforma e-CMP).
A partir daí, os passos serão completamente novos. Está nos planos o lançamento de um SUV ainda maior que o Stelvio, que será muito importante para consolidar a marca nos Estados Unidos e na China, em 2027. Para além disso, espera-se uma reedição do histórico Alfetta, um automóvel mais compacto que em 2024 assinala 50 anos desde o seu lançamento (foi o pai do Alfa Romeo 2300 nacional) e de um sedã do segmento C, ambos derivados da plataforma STLA Média.
Toda a nova geração de modelos da Alfa Romeo foi desenhada pelo designer espanhol Alejandro Mesonero-Romanos que, depois de ter passado pelos grupos Volkswagen e Renault nos últimos 25 anos (em vários cargos de liderança), acabou por aceitar, em 2021, a missão de traçar as linhas da nova Alfa Romeo.
Plataforma abre um novo mundo
A sorte da Alfa Romeo é estar nas mãos da Stellantis em um momento de consolidação de plataformas compartilhadas entre todas as marcas, divididas apenas por porte e segmentos. É importante que todas as marcas tenham volume para garantir economia de escala e, assim, maximizar os investimentos.
A plataforma STLA Grande pode estar na base de diferentes sistemas de propulsão. Muito flexível, dará aos aos engenheiros a possibilidade de jogar com distintas distâncias entre eixos, e distância total ao solo, tipos de suspensão, filosofias de condução (mais esportivas ou confortáveis), etc.
Por outro lado, o Cérebro STLA (desenvolvido em parceria com a Amazon), totalmente integrado na “nuvem”, desconecta os ciclos de hardware e software, permitindo acelerar a atualização de recursos e serviços pela internet (OTA), sem necessidade de aguardar pela introdução de novo hardware.
O STLA Smart Cockpit também permitirá trazer uma nova reinterpretação do icónico quadro de instrumentos (“telescópico”) e ao infoentretenimento conectado com telas curvas. A interação homem-máquina também será redefinida através de tecnologias de segurança, como o pacote de visibilidade ampliada (head-up display, visão noturna, espelho retrovisor digital) e novos sistemas de assistência ao motorista.
A Alfa Romeo só precisa continuar com sorte para que, enfim, um plano de reinvenção da marca dê certo.