Mercedes-Benz Vision EQXX vence o ar para rodar mais de 1.000 km
Andamos no conceito elétrico, de desenho futurista, que corta o vento para ir mais longe e regenera energia sem perder velocidade
Sinal dos tempos: se antes a superação de limites de aceleração e velocidade era o que ganhava destaque nas avaliações de carros, hoje, com o advento dos elétricos, são as distâncias máximas percorridas com uma única carga de bateria que são valorizadas. A eficiência energética passou a ser uma conquista maior e mais importante do que o desempenho. Até porque os elétricos já ultrapassaram os modelos à combustão há muito tempo, nesse aspecto.
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A disputa entre as fábricas não é mais aferida em km/h ou segundos. Mas em km. E o último lance nesse sentido foi protagonizado pela Mercedes-Benz e seu conceito Vision EQXX, mostrado aqui.
Até agora, o SUV chinês GAC Aion LX reclamava para si a proeza de ter sido o primeiro a conseguir ultrapassar a marca de 1.000 km sem reabastecimento. Mas fez isso carregando uma bateria gigante, de nada menos de 144,4 kWh.
A Mercedes conseguiu algo semelhante com um acumulador de energia de um pouco menos que 100 kWh utilizáveis. E não uma, mas duas vezes: em abril – indo de sua sede em Sindelfingen, na Alemanha, até à costa de Cassis, no sul de França, quando percorreu 1.008 km; e, no final de junho, de Stuttgart, na Alemanha, ao circuito de Silverstone, na Inglaterra, rodando 1.202 km.
Poucos dias depois, estivemos no Campo de Provas da fábrica para dirigir o veículo que tem boa parte da base técnica dos futuros modelos compactos da Mercedes, que serão lançados a partir de 2024.
Design a favor do desempenho
Quem vê o EQXX imediatamente se lembra do conceito XL1, da Volkswagen, que há uma década se tornou famoso por anunciar um consumo médio inferior a 1 litro/100 km, com diesel. Os tempos mudaram e se as regras do jogo são outras no que diz respeito aos motores, mas as leis da física são as mesmas e, quando se busca rendimento, peso e aerodinâmica continuam a como fatores preponderantes. Por isso EQXX e XL1 têm semelhanças.
Os conceitos alemães são parecidos, assim como os carros da Fórmula 1 se confundem. Na F-1, basta uma equipe descobrir alguma solução aerodinâmica, para outra seguir na mesma direção. No caso de Mercedes e Volks, os dois são fruto de projetos que priorizam aerodinâmica e peso.
Não é à toa que os carros se parecem no visual e têm até mesmo coeficientes de arrasto (cx) muito próximos: 0.17, no Mercedes, e 0.19, do VW – índices excelentes.
O peso também pode influenciar no visual, considerando o número e o tamanho das peças empregadas no projeto e também a escolha dos materiais que ficam aparentes. Mas, sob esse aspecto é mais difícil comparar os dois uma vez que o EQXX (maior, com quatro portas e quatro lugares, e baterias) pesa 1.755 kg, enquanto o XL1 (menor, com duas portas e dois lugares, e com baterias bem mais leves, porque ele era híbrido plug-in) pesava 795 kg.
O trabalho dos projetistas da Mercedes para emagrecer o EQXX, começou pelas baterias, localizadas no assoalho do carro, e chegou à carroceria, com o emprego aços ultraleves (e rígidos ao mesmo tempo), e vários componentes de alumínio e plástico reforçado com fibra de carbono. O teto, além de muito fino, integra 117 células solares para alimentar a bateria e gerar 25 km adicionais de autonomia, segundo a fábrica.
O EQXX tem motor elétrico de 245 cv sobre o eixo traseiro. As rodas aro 20 de magnésio forjado que, tal como no XL1 e no BMW i3, são o mais finas possível, com uma largura de apenas 18,5 cm. Pneus com bandas de rodagem estreitas oferecem menos resistência aerodinâmica e menor área de atrito com o asfalto.
Por dentro, o EQXX parece um carro do futuro, mas pronto para ser fabricado em série. A tela do painel, de 47,5”, ocupa toda a largura da cabine, com uma interface de alta definição (8K) e software de causar inveja aos mais avançados jogos por computador.
Os bancos são revestidos com um novo material feitos de fibras vegetais, como a de bambu. A altura é limitada pelas formas exteriores, mas somente adultos acima de 1,90 de altura poderão sentir uma excessiva proximidade da cabeça com o teto do carro.
Testando pela inércia
Um toque no botão para ligar o motor e começamos o movimento, com uma sensação mais próxima da de um carro comum do que a normalmente gerada pelos carros conceito, cujas portas se têm que fechar devagar para não ficarmos com nenhuma peça na mão ou cujos componentes do interior rangem com os esforços longitudinais e, principalmente, transversais causados pelo movimento.
Dinamicamente, o EQXX se revela muito estável, o que resulta da combinação da carroceria muito longa (quase cinco metros) e larga, e das respostas precisas da direção, apesar de dar 2,7 voltas entre-batentes.
Convidado pelo engenheiro de testes, Friedemann Flaeche, que me acompanhava no banco do carona, selecionei o modo Coasting (Navegando, em inglês, mas que pode ser entendido pelos brasileiros como “banguela”). O objetivo era verificar como o EQXX consegue avançar com a mínima resistência do ar.
Iniciamos uma reta, de cerca de 300 metros, com ligeira inclinação descendente, a 65 km/h sem tocar em nenhum pedal, deixando o carro seguir pela sua própria inércia. Quando chegamos ao final desse trecho, o velocímetro marcava 71 km/h. “Ganhamos velocidade porque o peso do carro é maior do que o atrito dos pneus e a resistência do ar”, explicou Flaeche.
Para deixar claro o que aconteceu – e não ter que depender de meus conhecimentos sobre dinâmica veicular –, ao final do test-drive, Flaeche fez com que voltássemos à pista com um protótipo (com carroceria de um SUV, o EQB, uma base similar à do EQXX, segundo o engenheiro) e a experiência foi muito diferente. Começamos a 65 km/h e chegamos ao final da reta a 57 km/h.
Mesmo não sendo o mais importante, o EQXX consegue acelerações bastante interessantes considerando que pesa quase duas toneladas e que a sua potência de 245 cv é pouca diante da maioria dos carros elétricos que já se encontram à venda.
Os técnicos da Mercedes acreditam que o Vision EQXX não será produzido como tal, podendo permanecer como peça única, que um dia ocupará o seu lugar no museu da marca. Mas as tecnologias que o servem serão injetadas em modelos de produção em série no futuro, em várias áreas, como no uso de materiais reciclados, na propulsão eficiente ou no circuito elétrico de bordo de 900 volts.
E há sempre uma pequena possibilidade de, tal como a VW fez com o XL1, a Mercedes atender a um possível pedido de clientes e produzir uma série limitada do carro. No caso do VW, as 200 unidades montadas na fábrica de Osnabruck encontraram clientes em poucos meses e ainda hoje são muito apreciadas no mercado de usados, onde são negociadas por valores bem acima dos 100.000 euros.
Ficha técnica Mercedes EQXX
- Bateria: Íons de lítio
- Capacidade: < 100 kWh
- Voltagem: > 900V
- Consumo: 8,3 kWh/100 km
- Coeficiente aerodinâmico (Cd): 0,17
- Potência: 245 cv
- Dimensões: comprimento, 4,98 m; largura, 1,87 m; altura, 1,35 m; entre-eixos, 2,80 m
- Peso: 1.755 kg
- Velocidade máxima: 140 km/h