Projeto Fiat Toro
COMO NASCEU A TORO
A Fiat abriu portas de seus laboratórios e pistas para acompanharmos o desenvolvimento da nova picape, desde os primeiros desenhos até o lançamento
Dia 15 de fevereiro, em um hotel na cidade de Campinas (SP), a Fiat reuniu 150 jornalistas de todo país para apresentar a Toro. A picape estreou em grande estilo, com inovações como chassi monobloco e tampa traseira bipartida. Mas para nós a Toro já era uma velha conhecida. E não porque a Fiat havia cedido antecipadamente uma unidade para testes na edição daquele mês. Mas pelo fato de QUATRO RODAS ter acompanhado o desenvolvimento da picape desde o início.
Na primeira vez que fomos à sede em Betim (MG), em fevereiro de 2014, a Toro só existia nos computadores da engenharia e na forma de maquete, no departamento de design. Essa foi a primeira vez na história mundial da Fiat que a empresa abriu um projeto com tanta antecedência a um jornalista.
Para esta reportagem, dirigimos as mulas (modelos que tinham apenas a base da Toro com a carroceria de outros carros), os primeiros protótipos e os modelos pré-série (que antecipam a produção comercial), em diferentes condições de uso, com carga e sem carga, no asfalto e na terra. Visitamos laboratórios e pistas de testes da Fiat e de fornecedores. E participamos dos trabalhos de calibragem de sistemas como suspensão e direção. A seguir, a história completa do projeto.
SONHO REALIZADO
A Fiat planejava fazer uma picape maior que a Strada desde o início dos anos 2000, quando tentou parcerias com a Mitsubishi e com a Tata. Mas a primeira oportunidade real só chegou com a fusão com a Chrysler, em 2009.
A Dodge, marca do grupo, tinha a Dakota que poderia servir de base. Mas pesquisas do departamento de planejamento estratégico da Fiat indicavam que havia espaço para uma picape de tamanho intermediário, maior que as compactas, como a Strada e menor que as médias, como a Chevrolet S10, que haviam aumentado muito de tamanho nas últimas gerações. E assim nasceu a ideia de fazer uma picape inédita.
A Fiat iniciou estudos para saber como a Toro deveria ser, para atender as necessidades e os desejos dos consumidores. Dessas pesquisas, resultou um documento, que as fábricas chamam de briefing do produto, descrevendo as características que do carro deveria ter.
Segundo o diretor de produto, Carlos Eugênio Dutra, os clientes pediam um veículo robusto, com capacidade de carga de 1 tonelada, mas com conforto e comportamento de automóvel, além diferentes opções de motor e câmbio.
Com o conceito do produto definido, a ideia do carro começou a ganhar corpo, mas ainda havia muito a fazer. Para seguir em frente, a Fiat do Brasil precisava da aprovação (e do dinheiro) da matriz. Normalmente, o custo para desenvolver um carro do zero é de mais ou menos US$ 1 bilhão. Por isso, a aprovação de um projeto é sempre algo muito estudado e discutido. Neste caso, porém, a missão foi um pouco mais difícil porque a picape destina-se a um segmento que não existia em lugar nenhum do mundo.
Segundo um executivo que participava das reuniões, a conversa emperrava quando o CEO da FCA (Fiat Chrysler Automobiles), Sergio Marchionne, pedia informações sobre o segmento da picape. Foi necessário muita explicação e argumentos para conseguir o sim do presidente. O sinal verde da direção foi comemorado como o primeiro ultrassom de um filho há muito aguardado. De posse do briefing, a engenharia e o design podiam começar a trabalhar, definindo como o veículo deveria ser do ponto de vista técnico.
DESIGN
O desenvolvimento do design acontece em fases. Na medida em que o projeto avança, as características do carro vão sendo definidas até uma hora em que o que foi estabelecido não muda mais, para que o projeto siga em frente com a construção do ferramental, a contratação de fornecedores etc. No material submetido à matriz para aprovação do projeto, os desenhos dos carros são bem conceituais, daqueles em que os designers têm maior liberdade para criar. Depois disso, há dois momentos importantes: o primeiro é quando o estilo é definido ainda sem as dimensões exatas do carro. O outro é o quando se cria o design final do modelo, considerando as medidas exatas não só da carroceria, mas dos componentes e o espaço que eles ocupam em funcionamento e durante a produção.
Na primeira etapa, quando se define o desenho, o trabalho é inteiramente eletrônico, graças ao uso de potentes computadores e softwares de realidade virtual. “Sempre fazemos quatro propostas de estilo, para aprovação”, explica o designer Peter Fassbender. A proposta escolhida, batizada internamente de Passion, recebeu também o aval do CEO Sergio Marchionne. De passagem pelo Brasil, ele visitou o Centro Stile da fábrica e, sentado numa cadeira bem no centro da sala de apresentações, examinou as quatro propostas. No dia em que QUATRO RODAS conheceu o projeto, o diretor de engenharia quis que eu tivesse a mesma experiência do CEO e convidou-me a sentar-se na mesma cadeira central.
Os profissionais procuraram traduzir visualmente as expectativas do cliente, como força, robustez, esportividade e sofisticação, a partir das formas básicas de uma picape. O trabalho do departamento de estilo compreende o design do exterior, do interior e também o acabamento, por fora e por dentro, que determina até as cores da carroceria e os revestimentos internos.
Os trabalhos da engenharia, do design e de outras áreas, como manufatura e qualidade, ocorrem simultaneamente, para aproveitar o tempo previsto para a execução do projeto. Mas, muitas vezes, pontos de vista e necessidades diferentes geram conflitos que precisam de soluções encontradas em conjunto. Um exemplo dessa situação está na tampa da caçamba. O fato de ela ser bipartida obrigou a engenharia a ancorar cada parte nas laterais da caçamba, roubando o espaço das lanternas. “Quando soubemos que a tampa seria dividida, teve gente querendo pular pela janela”, brincou um designer.
A solução foi desenhar lanternas horizontais e instalá-las na parte superior da caçamba. O trabalho do design foi recompensado, porém, porque ao abrir lateralmente, a tampa traseira pode ter um relevo abaulado possibilitando um efeito de linhas que circundam a carroceria (wrap around, segundo os designers) – o que seria impossível se a abertura da tampa fosse basculante.
ENGENHARIA
A primeira dúvida surgiu do lado da engenharia foi a escolha do chassi. O tipo mais usado é o de longarinas, com basicamente duas vigas longitudinais e travessas suportando a carroceria. Esse é o mais robusto.
A alternativa era o chassi monobloco, pouco aplicado em picapes, mas com maior capacidade de atender o desejo dos consumidores, no que diz respeito a conforto, segurança, estilo, economia de combustível (por ser mais leve) e preço (por ter um custo de produção menor, o que também é uma vantagem para o fabricante).
Uma vez escolhida a arquitetura outros desafios surgiram, como, por exemplo, construir uma estrutura que pudesse carregar até 1 tonelada sem abrir mão do conforto e da segurança. Para isso, a engenharia concluiu que deveria adotar aços de alta e ultrarresistência no monobloco e equipar a picape com uma suspensão traseira que fosse eficiente em todas as condições de carga e de rodagem. “As suspensões que geralmente são usadas nesse tipo de camionete não serviriam”, afirma o diretor de engenharia, Claudio Demaria.
A solução foi empregar uma estrutura bi-link, emprestada de um utilitário da Iveco vendido na Itália. Além dos ajustes habituais para a aplicação em outro veículo, como mudanças nos pontos de fixação, geometria e robustez, a suspensão teve o design de um braço alterado por razões estéticas. E não foi o pessoal do design que reclamou, mas o diretor de engenharia Leandro Quadros, responsável pela área de chassi e suspensão. O braço da suspensão, que originalmente tinha a forma de um tubo retangular, ficou sinuosa, semelhante a um osso do fêmur. No fim, a mudança teve também um ganho funcional porque a peça ficou mais leve.
ROUPA PARA SAIR
Os primeiros ensaios reais ocorram cerca de um ano depois do início do projeto. Nesse momento, porém, ainda não existem protótipos inteiros do novo carro. As primeiras unidades de teste são as mulas. Uma das que eu dirigi tinha a carroceria do sedã Linea cortada longitudinalmente e emendada com uma chapa de quase 10 cm, deixada à mostra no interior pela ausência de forro. Há mulas também para a avaliação de sistemas específicos, como o de freios.
Os protótipos saem às ruas um pouco mais tarde, cerca de seis meses depois. Normalmente, eles são veículos completos, embora estejam sempre muito disfarçados. Os protótipos que dirigimos possuíam camuflagem (fitas adesivas preto fosco) até em partes do painel e do console.
Os testes não servem só para o trabalho de desenvolvimento, mas também para avaliação da qualidade do produto. Quando termina o desenvolvimento é hora de checar se o carro foi produzido dentro dos parâmetro definidos. Segundo a Fiat, a Toro foi rodou 4.000.000 km, em estradas, ruas e vias fora de estrada, e 1.000.000 km, em bancos de provas (dinamômetros). Ao todo, foram usados quase 500 carros, contabilizando mulas, protótipos e as chamadas pré-série (as primeiras unidades feitas na linha de produção final). São alguns dos números impressionantes que dão uma ideia da longa jornada que a Toro percorreu, desde dois anos atrás, quando ela era só um desenho na tela do computador.
Os disfarces são retirados à medida que o lançamento vai se aproximando e quando configuram estorvo, em uma avaliação aerodinâmica, por exemplo. No caso, dos protótipos usados pelo departamento de design, quando precisam sair dos estúdios, eles recebem uma camuflagem só para esse deslocamento. Em geral, o tempo gasto no disfarce é bem maior que aquele que o carro fica exposto na rua.
Em outros momentos, experimentei o que é ser alvejado por caçadores de segredos. Algumas vezes fomos emparelhados por motoristas com celulares em punho. Em outra ocasião, estávamos parados em um recuo da estrada, quando os fotógrafos se aproximaram. Confesso que eu tive de me esconder para não ser visto com o pessoal da Fiat.
Os disfarces são retirados à medida que o lançamento vai se aproximando e quando configuram estorvo, em uma avaliação aerodinâmica, por exemplo. No caso, dos protótipos usados pelo departamento de design, quando precisam sair dos estúdios, eles recebem uma camuflagem só para esse deslocamento. Em geral, o tempo gasto no disfarce é bem maior que aquele que o carro fica exposto na rua.
Em outros momentos, experimentei o que é ser alvejado por caçadores de segredos. Algumas vezes fomos emparelhados por motoristas com celulares em punho. Em outra ocasião, estávamos parados em um recuo da estrada, quando os fotógrafos se aproximaram. Confesso que eu tive de me esconder para não ser visto com o pessoal da Fiat.
Os testes não servem só para o trabalho de desenvolvimento, mas também para avaliação da qualidade do produto. Quando termina o desenvolvimento é hora de checar se o carro foi produzido dentro dos parâmetro definidos. Segundo a Fiat, a Toro foi rodou 4.000.000 km, em estradas, ruas e vias fora de estrada, e 1.000.000 km, em bancos de provas (dinamômetros). Ao todo, foram usados quase 500 carros, contabilizando mulas, protótipos e as chamadas pré-série (as primeiras unidades feitas na linha de produção final). São alguns dos números impressionantes que dão uma ideia da longa jornada que a Toro percorreu, desde dois anos atrás, quando ela era só um desenho na tela do computador.