Maio Amarelo: “90% dos acidentes são causados por fator humano”
Pilares de trânsito civilizado, motorista, automóvel e via têm sérios problemas a ser resolvidos no Brasil. Mas o fator humano ainda é o principal desafio
Entre os estudiosos de segurança no trânsito, convencionou-se falar em um tripé composto por motoristas, automóveis e vias.
Quando um dos três vai mal, as chances de haver mais acidentes e mortes no tráfego aumentam muito.
De acordo com os especialistas ouvidos pela QUATRO RODAS, o Brasil consegue estar mal nos três pontos, mas em especial no mais importante: o fator humano.
“Os números de acidentes e mortes nas estradas e ruas do Brasil evidenciam que ainda não temos uma cultura de segurança. Infelizmente, comportamentos inadequados são as principais causas dos acidentes”, afirma Anaelse Oliveira, coordenadora do Programa Volvo de Segurança no Trânsito (PVST).
José Aurelio Ramalho, diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), endossa o que Anaelse relata.
“Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que praticamente 90% dos acidentes são causados por fator humano. Se você analisar, 100% deles são. Mesmo naqueles em que a rodovia tem falhas de sinalização ou de pavimentação, que correspondem a 5%, cada motorista, vendo essa situação, tem de reduzir a velocidade e se adequar às condições que a via oferece a fim de preservar sua integridade.
Os outros 5%, relacionados ao carro, são responsabilidade do motorista. Cabe a ele manter o veículo em ordem. No recall, é o motorista que deve buscar a montadora – e sabemos que a busca por esses reparos no Brasil é baixa. Tudo remete ao fator humano.”
A equipe de Anaelse Oliveira elabora o Atlas da Acidentalidade no Transporte no Brasil, baseado no banco de dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que cobre apenas 32,4% das rodovias pavimentadas do país.
Ainda que restrito, o estudo mostra que, dos 96.358 acidentes ocorridos em 2016, 5.111 deles (5,3%) foram causados por defeitos mecânicos.
Manutenção falha
Curiosamente, a Associação de Entidades Oficiais da Reparação de Veículos do Brasil (Sindirepa) estima que 47% dos veículos acidentados que chegam às oficinas brasileiras apresentam algum tipo de problema mecânico.
Ainda que não exista nenhum estudo que ligue esses defeitos diretamente aos acidentes, uma proporção tão grande de veículos com problemas pode indicar que a porcentagem de 5% de participação apontada pela PRF talvez seja subestimada.
Ainda segundo a Sindirepa, o International Motor Vehicle Inspection Committee (Cita) aponta para algo entre 10% e 20% das causas de acidentes relacionadas a defeitos mecânicos.
Dos 96.358 acidentes em rodovias federais, 1.571 (1,6%) se deveriam a defeitos nas vias.
Um número aparentemente baixo, considerando as condições da maior parte das rodovias nacionais e o fato de o governo, com sérios problemas de orçamento, não ter dinheiro para investir em sua devida conservação.
“Os governos federal e estaduais estão com enormes dificuldades de caixa. Se eles não têm fundos para saúde e segurança, terão para tapar buracos?”, pergunta Flávio Freitas, diretor superintendente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR).
“Concessões são a única solução. Com elas, ainda que você não tenha recursos, terá a rodovia em bom estado.”
Rodovias melhores
Segundo Freitas, as concessionárias se preocupam com uma série de aspectos para reduzir os 5% de responsabilidade das rodovias nos acidentes.
“A segurança nas estradas engloba pavimento, sinalização e geometria da via. Pavimento e sinalização dispensam explicações, mas a geometria leva em conta vários aspectos, como elementos de sobrelevação, raios de curva… As concessionárias levam uma grande vantagem sobre os departamentos de trânsito.
Enquanto os órgãos do governo estão sujeitos à lei 8.666, que obriga a contratação pelo menor preço, nós somos regidos pela lei 9.897, que exige a solução mais adequada. Se um pavimento custa 10, mas dura 5 anos, e outro custa 12, mas dura 15 anos, podemos optar pelo de 12. O mais barato normalmente não é o melhor.”
Claro que a contrapartida nesse caso é um valor de pedágio mais elevado.
Como se pode notar, há problemas em cada uma das bases do tripé de segurança no Brasil, mas parece ser unânime entre os especialistas que bastaria o motorista ter um pouco mais de consciência para reduzir muito os acidentes.
“Vamos trazer carros suecos, rodovias alemãs e fiscalização americana, que dizem ser os melhores do mundo em termos de segurança. Com os motoristas que temos, não vamos reduzir muito o número de acidentes.
Bastaria o brasileiro ter comportamento conforme as regras do trânsito exigem. Use o cinto, o capacete, a cadeirinha… Se cada motorista tomasse essas decisões hoje, o Brasil teria reduções drásticas. É um fator chamado educação. É o pilar a ser atacado”, diz Ramalho.
“Fizemos um estudo de como eram formados nossos motoristas e chegamos à conclusão de que não temos uma formação, mas sim de que somos adestrados a tirar a habilitação.
Decoramos placas de trânsito sem saber que atitude devemos ter diante dessa sinalização. Mais do que saber que está diante de uma curva sinuosa à direita, por exemplo, o motorista tem de saber que tem de tirar o pé do acelerador, reduzir a velocidade e redobrar sua atenção.
Outra coisa que notamos é que não havia nenhum vínculo entre a aula teórica e a prática.”
Dividindo a responsabilidade
Para Anaelse, a realidade do trânsito brasileiro só vai mudar quando houver o compartilhamento de responsabilidade e esforços entre todos que atuam no trânsito.
“Isso vai desde o governo (educação e fiscalização) e engenharia (infraestrutura) até a iniciativa privada (empresas diversas atuantes na cadeia do transporte).
Acreditamos que essa é a base para estabelecer uma nova realidade de cultura de segurança, para que cada cidadão compreenda no seu dia a dia o quanto é responsável por sua segurança e também do outro, seja motorista, pedestre, ciclista, motociclista ou uma liderança no segmento de transporte.
Assim, ele pode, sim, fazer a diferença ao priorizar a segurança viária no seu campo de atuação.”