Motor turbo em uma Ferrari? Para alguns fãs da Casa di Maranello, isso pode soar como heresia. Mas, com as leis de emissão cada vez mais rígidas na Europa e nos EUA, pouco a pouco, os enormes motores aspirados vão saindo de cena, uma realidade que atinge mesmo os fabricantes artesanais de esportivos. A próxima vítima é a Ferrari, que está lançando a California T, o primeiro modelo turbinado desde os anos 80. O carro foi retocado não só visualmente mas também melhorado com um motor completamente novo. Este V8 de 560 cv faz quase tudo melhor do que o seu antecessor de 490 cv. Mais potência, um aumento tremendo de torque e um consumo claramente mais baixo fazem com que os ferraristas inveterados e os potenciais novos clientes se habituem facilmente à nova tecnologia e aos sinais dos tempos. Afinal, desde o lendário F40, um turbo não era montado em uma Ferrari de série.
Assim como os carros de F-1 deste ano, o som do motor é novo, bem mais baixo.Ainda assim, agrada aos ouvidos. “Na verdade, além da capacidade de resposta, o som do motor foi o ponto central do desenvolvimento”, explica Vittorio Dini, responsável pelo sistema de propulsão. Menor, o novo V8 possibilitou a montagem num ponto do cofre quatro centímetros mais próximo do solo, o que baixou o centro de gravidade do carro, melhorando, segundo a marca, tanto a dirigibilidade quanto a performance. Para ir de 0 a 100 km/h, a California T só precisa de 3,6 segundos. Se o pé continuar no acelerador, 7,6 segundos depois, você estará a 200 km/h. E tudo isso é feito de acordo com a nova ordem mundial de gastar a menor quantidade possível de combustível. De acordo com a Ferrari, a California T faz 10,5 km/l, o que representa uma melhora de 15% em relação à geração anterior – tomando por base os números obtidos no padrão europeu, de ciclo misto.
No interior, convivem em harmonia o couro de elevada qualidade e o alumínio. Este, aplicado sem economia, no console, no volante, nos pedais e ainda nas duas enormes borboletas atrás do volante, para troca de marchas.
O esportivo permite optar por dois pequenos bancos traseiros (onde só devemos colocar crianças que tenham se comportado mal) ou por um porta-malas com capacidade de 340 litros (240 quando a capota se encontra aberta). É um equipamento simples, mas que confere à California uma funcionalidade inusitada para uma Ferrari.
Mas, ao contrário da maioria dos concorrentes, o recolhimento elétrico da capota só pode ser acionado com o carro parado. A própria Maserati – marca irmã da Ferrari, também pertencente à Fiat – equipa o luxuoso conversível Grancabrio com um dispositivo que permite a ativação a até 30 km/h.
Ainda no que diz respeito a equipamentos, há que se fazer uma referência à ausência de acionamento elétrico para a tampa do porta-malas – o Mercedes SL 63 AMG tem -, de chave presencial para acesso ao carro e de bancos climatizados. Todas faltas inaceitáveis em um carro que custa mais de 200 000 euros, na Europa.
Em movimento, a nova California é um carro melhor e, sobretudo, mais esportivo do que a antiga. Não chega a atacar curvas com voracidade de uma 458, mas oferece boa proporção de esportividade. Os progressos dinâmicos são resultado de um pacote de novidades que incluem uma inédita e 10% mais rápida caixa de direção e suspensões recalibradas com molas 11% mais rígidas e amortecedores Magnaride com ação até 50% mais rápida. Há ainda sensores de aceleração (longitudinal e lateral) para reduzir a inclinação da carroceria em frenagens, acelerações e contorno de curvas. Outra contribuição para um comportamento mais eficaz é dado pela nova geração de sistemas de controle de estabilidade e tração, que tornam a California T mais eficaz em curvas.
Novos mercados
Não é de admirar que a California tenha se tornado a Ferrari mais bem-sucedida de todos os tempos. “Cerca de 70% dos compradores são clientes que adquirem uma Ferrari pela primeira vez, o que deixa clara a nossa chegada a nichos até então distantes de nós”, diz Nicola Boarini, diretor de produto. Ou seja, a marca passa a olhar com muito mais atenção para o seu modelo de entrada, agora mais eficiente – na dinâmica e no mercado.
Com velocidade máxima de 316 km/h e 76,9 mkgf de torque, o conversível tem bom desenvolvimento de potência. O motor de 3.9 litros gira a até 7 500 rpm (muito para uma unidade sobrealimentada), o que explica a sonoridade agradável.
Mas realmente diferente na personalidade da California é a predisposição para deixar os ocupantes colados ao banco. Mérito do V8 turbo capaz de oferecer 77 mkgf de torque a apenas 2 750 rpm. Para controlar o galope dos 560 cv nas acelerações mais vigorosas, é preciso rédeas firmes. Entenda-as como as duas enormes aletas de trocas de marcha, perfeitas para orquestrar o câmbio até em saídas de curva, quando o volante ainda está virado. O volante está longe de ser complexo como o de um F-1. Mas há nítidos pontos de contato entre ambos, como a chave seletora do controle de estabilidade.
No fim das contas, quem disse que o turbo não honra a tradição da Ferrari? Que o diga a F40 – e agora, a California.
VEREDICTO
Mais do que uma simples nostalgia, a nova California tem tudo para, no futuro, ser conhecida como a precursora da era turbo das Ferrari de rua.