A vez que quase capotamos uma Volkswagen Brasilia para ter a foto perfeita
Peripécias de um tempo em que havia poucos recursos, mas muita criatividade
Desde que comecei a trabalhar na QUATRO RODAS, em meados de 1977, com 23 anos, sempre procurei fazer matérias diferenciadas juntamente com todos os meus companheiros de equipe.
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Naquele tempo, porém, não era como hoje, que os números dos testes são tirados por um equipamento que recebe sinais de satélite e os jornalistas precisam fazer cursos e exames médicos periódicos para entrar na pista. Antigamente, tudo era mais informal e improvisado.
As medições eram feitas com cronômetro e fita métrica e pista simplesmente não existia. Até a inauguração do Campo de Provas de Limeira, no final dos anos 1970, os testes eram feitos em estradas desertas (coisa que também não existe mais hoje em dia em São Paulo).
Aprendi muito com a maioria dos editores, repórteres e fotógrafos que tinham mais experiência do que a minha naquele período. Com muito entusiasmo e coragem, mas poucos recursos e juízo na cabeça, acabei metendo a mim e a meus colegas em situações, digamos, curiosas.
Uma dessas ocorreu no início de 1979, quando fui escalado para fazer a matéria da Brasilia, a perua compacta da Volkswagen, na versão quatro-portas, que foi publicada na edição 224, de março daquele ano.
Apesar de produzida inicialmente para exportação desde 1973, a Brasilia quatro-portas era uma novidade para o mercado brasileiro, que naquele ano de 1979 ainda dava preferência aos carros de duas portas. Tanto que, em minha avaliação, eu escrevo que aquela versão seria mais indicada para taxistas.
A ideia de fazer algo diferente surgiu na sessão de fotos. Em determinado momento, enquanto eu dirigia o carro para o fotógrafo Heitor Hui clicar, notei que, ao girar a direção repentinamente, fazendo uma curva bem fechada, a roda traseira interna à curva parecia perder o contato com o piso e vi aí a oportunidade de uma imagem inusitada.
Perguntei ao fotógrafo se ele observara a roda se elevar e ele me disse que realmente o pneu chegava a perder o contato com o solo, mas que era muito pouco, quase imperceptível, me encorajando a fazer a manobra com mais velocidade.
Passei a repetir a manobra em velocidades crescentes, pedindo para o Heitor me dizer se estava surtindo efeito. Pensando em uma foto ainda mais extraordinária do que a que eu imaginava, ele fazia sinais com os dedos indicador e polegar em pinça. E na penúltima tentativa me mostrou a mão espalmada expressando a medida de um palmo de altura.
De dentro do carro, a sensação era de que a roda estava a meio metro do chão. Mas acreditei no que o fotógrafo me dizia e repeti a manobra mais uma vez, com velocidade ainda mais rápida.
Não me esqueço jamais do que aconteceu. Foram os piores momentos que passei dentro daquela Brasilia, que, por pouco, não capotou. Não sei se adiantou alguma coisa, mas intuitivamente cheguei a movimentar meu corpo para o lado contrário ao da curva na intenção de fazer peso e restituir as rodas ao chão. Eu estava de capacete, minha única proteção, porque o cinto de segurança de pouco adiantou naquela situação.
“Não esqueço jamais. Foram os piores momentos que passei dentro daquela Brasilia”
Na verdade, a manobra em si, não era rápida, porque eu freava antes de virar o volante. A velocidade era apenas para pegar impulso e desestabilizar o carro. O Heitor Hui (com cara de assustado) pediu para pararmos o trabalho dizendo que já estava com um bom material do carro. A cara de pau dele foi tanta (ou queria disfarçar?) que ainda comentou comigo que dava para ir mais rápido.
No dia seguinte, na redação, o Heitor me chamou para vermos as fotos. Foi então, numa mesa de luz, que fui olhando com uma lupa aqueles slides (na época não existia fotografia digital) e, quando vi a foto da manobra, quase caí de costas de tão bravo que fiquei com o Heitor, pelo risco que corri. Na imagem, a Brasilia aparece com duas rodas no ar. Mas não podia reclamar do resultado alcançado, porque a foto causou o maior tumulto na redação, sinal de que faria o mesmo nas bancas.
Alguns editores achavam que ela tinha de ir para a capa da revista e outros que não tinha nada a ver uma foto daquelas com uma Brasilia.
No final da discussão, a perua não foi a capa, mas ganhou uma foto estourada, como se diz nas redações, em página dupla. E foi essa imagem que mais impressionou os leitores, naquela edição. Me lembro como se fosse hoje a grande quantidade de cartas que a revista recebeu no período, a maioria de leitores que davam como certo que a Brasilia teria capotado. Posso garantir que não.
Ainda antes de a reportagem da Brasilia ser publicada, me passaram outra missão: testar um Chevrolet Chevette Jeans. O teste foi publicado na edição seguinte, número 225, de abril de 1979. O fotógrafo dessa vez foi o Cláudio Laranjeira, que, apesar de toda a polêmica que a foto da Brasilia causou, combinou comigo uma nova peripécia.
Acertamos de fazer uma foto do Chevette levantando as quatro rodas. Para isso fomos até um lugar descampado, no município de Barueri (SP), onde as ruas eram de terra, mas, anos depois, se tornaram as alamedas de um bairro nobre muito conhecido, o bairro de Alphaville.
Chegando lá, em uma rua plana, mas com um pequeno declive, a certa altura, o Laranjeira deitou no chão com sua máquina fotográfica em punho e pediu para que eu passasse com o carro rapidamente, tentando fazer com que as quatros rodas do Chevette ficassem no ar.
Ao comando dele, não perdi tempo e passei velozmente no local combinado. A foto não poderia ter ficado melhor, conforme você pode verificar abaixo. É claro que, na redação, nem todos concordaram com aquilo de levar o Chevette para saltar em uma estrada de terra. Mas, assim como no caso da Brasilia, a vontade de mostrar algo diferenciado, incomum, prevaleceu.
Além do que, não precisei correr risco nenhum para dar aquele pequeno salto. E, novamente, a imagem publicada deu o que falar naquele mês da revista.
O problema de fazer esse tipo de foto é que com o tempo o leitor acostuma e perde aquela sensação de espanto, por isso, tivemos que pensar em outra forma de surpreender os leitores e paramos, quer dizer, fizemos um intervalo, antes de repetir coisas do gênero. O que veio depois, porém, é tema para uma outra coluna.
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