Bolivianos estreiam categoria de carro a hidrogênio no Shell Eco-Marathon
Equipe Capitan Victor Ustariz Arce superou adversidades e garantiu a estreia da categoria de hidrogênio do Shell Eco-Marathon Brasil
Quando falamos em hidrogênio como combustível, logo pensamos no Toyota Mirai. Fica até difícil imaginar estudantes universitários criando protótipos ultraeficientes com uma tecnologia que nem mesmo a indústria automotiva aperfeiçoou. Mas nossos vizinhos bolivianos estão no caminho.
A Shell Eco-Marathon, uma das maiores competições de eficiência do mundo, inaugurou este ano a categoria de carros movidos a hidrogênio, que se junta aos modelos de combustão interna e elétricos. Apenas duas equipes estavam inscritas para a nova modalidade, ambas estrangeiras, sendo uma do México e outra da Bolívia.
O desafio começa logo na viagem, já que cada equipe deve bancar por conta própria o translado dos participantes e do carro. Os mexicanos não tiveram boa sorte e sua célula de hidrogênio, principal peça do conjunto mecânico, não conseguiu chegar ao Píer Mauá, na cidade do Rio de Janeiro, ficando presa em São Paulo.
Com isso, os integrantes da equipe Hydro Dzec não conseguiram montar seu carro a tempo da inspeção e saíram da competição. Uma pena que o projeto, que levou 8 meses para ficar pronto e custou cerca de 250.000 pesos mexicanos, algo próximo dos R$ 73.000, não pode competir.
Coube então aos bolivianos da equipe Capitan Victor Ustariz Arce, da Escuela Militar de Ingeniería, serem os encarregados de estrear a nova categoria. Mas claro que a tarefa não foi fácil.
Os bolivianos tiveram mais sorte na viagem e seu carro chegou com todas as partes. A equipe veio de avião, mas o protótipo viajou por terra em um caminhão, atravessando a fronteira e passando com sucesso pela alfândega.
Porém o mais difícil ainda estava por vir. Antes da competição, todos os carros devem passar por uma rigorosa inspeção de segurança, que reprova cerca de 10% dos competidores, independente da categoria. O evento começou na quarta-feira e os competidores tiveram até o dia seguinte para montar e preparar seus carros para averiguação. Se reprovados, eles podem fazer todos os ajustes até o fim do prazo.
Por uma falha de logística, os membros da equipe não viram que seu cilindro de hidrogênio não condizia com o regulamento da competição. A solução, foi correr atrás de uma mangueira nova e clindro o mais rápido possível. Primeiro problema resolvido.
Porém, uma das células apresentou um vazamento de hidrogênio. A solução foi retirá-la, operando apenas com uma, sacrificando parte da potência do carro. Mas correndo contra o tempo, o maior objetivo da equipe era participar e estrear a categoria.
Como explicou o engenheiro da equipe, Alejandro Oblitas, a que sobrou conseguia gerar uma potência de 200 watts no motor, ou 0,27 cv aproximadamente. Com as duas, a potência seria de 0,6 cv. Mas como era a única equipe, o prêmio maior seria, de fato, participar da competição. Ao todo, o par de células representa 8.000, dos 20.000 dólares de custo total do projeto, quase R$ 100.000 na cotação atual.
Mas ainda faltava um último desafio. O carro não havia passado na inspeção dos freios, apresentando problemas no traseiro, que não conseguiria segurar o carro, com estrutura de alumínio e carroceria de Foam, que pesa ao todo 69 kg.
Por sorte, a organização estendeu o horário de inspeção. Por mais que a equipe ajustasse o freio, idêntico aos de bicicleta, e bombeasse o fluido, nada parecia segurar o carro. Foi aí que apareceu o espírito de solidariedade entre os competidores.
Mesmo se tratando de uma competição, não é um vale tudo. É comum ver equipes compartilhando equipamentos e peças. Foi com esse espírito esportivo que os integrantes da equipe e-Wolf Racing, do CEFET Rio, doaram um freio para que os bolivianos conseguissem se classificar.
Freio instalado. Alguns testes e a roda traseira enfim travou. Agora era hora da inspeção oficial. A equipe posiciona o protótipo na rampa e depois de uma pequena deslizada, o freio traseiro consegue segurar o carro.
A estreia foi na sexta-feira. E antes de entrar na pista, mais um balde de água fria. Os bolivianos tiveram que voltar aos boxes por uma falha na buzina. Nesse meio tempo, a equipe também conseguiu sanar o defeito da segunda célula, podendo operar com trem de força completo.
Com tudo resolvido, enfim, a equipe boliviana conseguiu cumprir seu objetivo e o carro foi pra pista. Infelizmente, nao foi como planejado, pois veiculo parou na segunda volta. O calor forte do Rio fez com que um dos componentes das célula se desconectasse.
Faltando ainda duas tentativas para completar o percurso, a equipe retornou à pista, mas não conseguiu completar uma volta das quatro necessárias para ter um resultado final. E assim a categoria estreante de protótipos a hidrogênio terminou sem um vencedor.
Mas isso não foi uma derrota. É parte do aprendizado, ainda mais quando se trata de uma tecnologia tão recente. Muitas equipes de outras categorias também não conseguiram completar o percurso ou nem sequer conseguiram superar a inspeção em sua primeira participação.
“O que aprendemos com isso foi trabalhar em equipe. Só tivemos três meses para construí-lo [o carro], então sem um trabalho em equipe, nós jamais teríamos terminado a tempo”, explica Alejandro Sanchez, um dos integrantes responsáveis pelo projeto.