Cemitério dos Peugeot tenta manter carros franceses vivos a qualquer custo
Ferro-velho no Rio de Janeiro se especializou em carros da Peugeot e da Citroën na tentativa de garantir sobrevida a outros
Quem chega ao Rio de Janeiro pela rodovia Presidente Dutra certamente verá a placa pintada à mão do “Cemitério dos Peugeot” logo depois do último pedágio, em Seropédica (RJ).
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É difícil dizer o que mais chama a atenção. Se é a placa, que substituiu um banner há alguns meses, as peças penduradas ou os vários carros aos pedaços espalhados pelo terreno da loja construída para ser um bar. A missão desse ferro-velho raiz é adiar a morte de carros que já não valem muito.
Quem sempre passa por ali sabe que a rotatividade é alta. “Na semana passada desmontamos 10 carros aqui”, conta Rodrigo César de Oliveira, que administra o negócio faz 10 anos.
Ele desmonta, com ajuda de alguns funcionários, os carros que compra em leilões ou de quem desistiu de manter um francês e simplesmente largou o carro lá. “Tem que ter documento, sem documento não tem negócio”, conta antes de mostrar o bloco de registros dos carros e o caderno onde anota as vendas.
Naquele dia havia quatro Peugeot 206, um 306 Break e ainda dois Citroën C3 dos primeiros anos de produção e um Xsara Picasso. Com exceção do 306, todos nasceram a 90 km dali, também às margens da Dutra, na fábrica de Porto Real (RJ) – hoje comandada pela Stellantis.
Dois Renault Clio Sedan, que compartilhavam o motor 1.0 com o 206, diversificavam ainda mais o estoque de carros de origem francesa. Mas já houve modelos como Peugeot 106, 206 Escapade e os Citroën C5 e Xsara por ali.
São, claramente, carros com passado sofrido. A pintura fosca, a lataria amassada e faróis opacos são uma constante nesses doadores de peças, além dos defeitos que ratificaram seus óbitos.
Era 10h quando Rodrigo chegou e clientes já esperavam por ele. Um, talvez mais assíduo, o xingou pela demora e por não atender o celular. Dois mecânicos também aguardavam para tentar negociar alguns módulos de ignição específicos. Não chegaram a um acordo, mas já saíram dali avisados de outros carros que chegariam nos próximos dias.
Em meio aos carros estão espalhados parafusos, eixos, peças das suspensões e também motores, alguns inteiros ainda unidos ao câmbio, caso de um 2.0 com câmbio de quatro marchas que não era de nenhum dos carros ali. Ficam ali, em meio a uma lama de óleo com terra.
Outros motores já estavam sem componentes vitais, que são retirados ali mesmo, no chão, na frente do cliente. Alternadores, compressores do ar-condicionado e bombas estão entre os componentes mais procurados, por serem peças que, novas, custam caro perto do valor dos carros que receberiam elas para sobreviver por mais alguns anos.
Na parte coberta do bar transformado em oficina ficam pendurados para-lamas (que custam entre R$ 150 e R$ 200), faróis, lanternas, peças plásticas dos motores (tampa de válvulas, caixas de filtro de ar e dutos, por exemplo), comutadores e partes do chicote elétrico. Tentam salvar tudo. “As pecinhas e os detalhes eu dou pro pessoal, dá pra ajudá-los também”, conta o proprietário.
O negócio começou como um meio de manter um Peugeot 206 vivo usando um carro doador de peças.
“Antes eu vendia panelas, lençóis… Até o dia que eu comprei um Peugeotzinho, o Satanás, aquele 1.0, vivia quebrando aquela desgraça. Tanto que minha mulher, na época, falou que era o carro ou ela. Fiquei com o carro e depois conheci uma menina, e fomos comprando outros. Agora já são 10 anos comprando os carros e vendendo as peças “, conta Rodrigo.
Pelo menos uma coisa mudou na última década: enquanto tenta prolongar a vida dos velhos Peugeot e Citroën, Rodrigo só anda por ai em uma bicicleta Monark com uma caixa de som ligada na mochila.