Como é dirigir a Ford F-150 Lightning, uma picape elétrica com 571 cv
Sucesso de vendas, a versão elétrica da picape F-150 deve provocar uma revolução no mercado norte-americano, assim como fez o Modelo T, há cem anos
Modelo mais vendido dos Estados Unidos há quatro décadas, a picape F-150 tem lugar de destaque na história.
Mas, com a chegada da versão 100% elétrica, a F-150 está sendo apontada pelos que trabalham na sede da Ford, em Dearborn, no estado de Michigan, como o veículo mais importante da empresa desde o Model T, o primeiro modelo da marca produzido em série, apresentado há 114 anos. Essa percepção não se deve apenas ao fato de a empresa interromper as encomendas da picape ao atingir o volume de 200.000 pedidos.
Mas também porque a F-150 não é um modelo elétrico de nicho, para early adopters ou ambientalistas. É um veículo destinado ao grande público, com cerca de 1 milhão de novas unidades emplacadas a cada ano.
E, para completar, a Lightning chega ao mercado antes das versões elétricas das rivais, como Chevrolet Silverado, Dodge Ram e da midiática Tesla Cybertruck, que, ao contrário do anunciado, ainda não está à venda (existe a Rivian R1T, mas é menor e tem posicionamento premium).
A Lightning estreia em quatro versões, da mais simples para a mais completa: Pro, XLT, Lariat e Platinum, com preços de US$ 39.974 a US$ 90.874. Sempre com cabine estendida (Supercrew), que é a maior da linha (de quatro portas, cinco lugares e caçamba com 1.495 litros).
Nas três primeiras, há baterias de 98 kWh que permitem autonomia de 370 km, ao passo que, na Platinum, a bateria é de 131 kWh, a autonomia estende-se até os 482 km, segundo a fábrica.
O sistema de propulsão 4×4 (motor para cada eixo) é sempre o mesmo, capaz de gerar 452 cv, nas três primeiras, e 571 cv, na Platinum.
Ao contrário da futura Silverado elétrica, que terá uma plataforma específica e um design diferenciado, a Lightning usa a mesma base técnica da versão a gasolina, o que reduziu tempo de desenvolvimento e custos, ainda que limitando o tamanho das baterias (por comparação, Hummer elétrico e Rivian chegam aos 200 e 180 kWh, respectivamente).
Ainda assim, as alterações técnicas relativamente à F-150 a gasolina existem, como na mudança de suspensão traseira de eixo rígido por uma independente de braços transversais, uma opção ditada pela necessidade de fazer com que os componentes do sistema elétrico coubessem.
Na dianteira, a suspensão é de triângulos sobrepostos e, na ausência do motor térmico, sobrou espaço suficiente para se instalar um compartimento de 400 litros sob o capô.
Outro ponto favorável é a capacidade de carga de 1.014 quilos, quase 450 quilos a mais que no Hummer EV e 225 quilos a mais que a Rivian RT1.
E, como rebocar é uma das funções mais valorizadas pelos compradores norte-americanos, a F-150 elétrica pode puxar nada menos do que 4.500 quilos. Lógico que, quanto maior for o esforço dos motores, maior é o consumo de energia.
De acordo com a fábrica, considerando uma carga de 2.250 quilos (50% da capacidade total), o consumo de eletricidade aumenta pelo menos 35%. No que diz respeito ao carregamento das baterias, há boas e más notícias.
No primeiro caso, com o uso de uma estação de carga específica a F-150 torna-se o primeiro veículo à venda nos EUA capaz de fluxos bidirecionais, ou seja, que pode também fornecer energia (o Nissan Leaf tem essa capacidade, mas ainda não dispõe de um inversor que a aproveite).
A F-150 elétrica pode receber cargas até 19,2 kW em corrente alternada (AC) e até 150 kW em corrente contínua (DC), neste caso claramente menos do que o Hummer EV, que pode chegar aos 350 kW em DC, graças ao sistema de tensão de 800 V que o suporta (a Rivian também carrega com mais potência e a Chevrolet Silverado deverá igualar o Hummer).
O que isto significa é que a Ford demora mais tempo para carregar a sua bateria ou que irá recuperar menos autonomia com o mesmo tempo de carregamento dos seus rivais.
Ao volante, a primeira impressão é de que não falta espaço a bordo, sem sinais de concessões para a instalação das baterias sob o piso.
O visual do painel, portas e bancos é típico dos Ford atuais. Assim como a qualidade geral dos materiais e revestimentos –que fica aquém do esperado.
A versão Platinum, porém, é a mais equipada da família e, entre os itens de série, ela traz central multimídia com tela de 15,5”, câmera 360o, park assist, direção com ajuste elétrico, ar-condicionado digital bizona e sistema de som Bang & Olufsen.
Assim que se pisa fundo no acelerador, apesar de ter praticamente 3 toneladas de peso (mesmo com a carroceria de alumínio), a Lightning dispara como um touro enraivecido, fazendo de 0 a 100 km/h em escassos 4,5 segundos, utilizando seu torque máximo e instantâneo de 110 kgfm.
Toda essa força pode ser aproveitada de acordo com os modos de condução (Normal, Deep Snow, Eco, Mud, Rock Crawl, Slippery, Comfort, Sport, Trail e Tow/Haul), que ajustam o carro (motor, direção, sistemas de controle de chassi) conforme piso, condições de uso e gestão de energia.
A estabilidade é beneficiada pelo enorme pacote de baterias horizontalmente arrumadas entre os dois eixos, na parte mais baixa do veículo.
O que não quer dizer que não exista tendência para a carroceria se inclinar em curva – que existe – porque a picape tem suspensões de cursos longos, para enfrentar situações fora de estrada.
As diferentes afinações da suspensão (face às unidades a gasolina) resultaram em um bom conforto de rolamento, ainda que se note uma tendência para fortes movimentos verticais quando passamos por um buraco mais fundo ou um ressalto maior (molas pneumáticas e amortecedores eletrônicos ajudariam a aliviar estes sintomas, mas iriam fazer disparar ainda mais o preço desta picape).
A direção, por sua vez, é convincente em termos de rapidez e precisão – considerando os atributos e objetivos de uma picape.
Confirmadas as expectativas da Ford, a F-150 elétrica vai provocar mudanças no mercado norte-americano comparáveis às do Ford T, o carro que lançou os conceitos da produção em série.
Veredicto
Apesar de cara, a F-150 Lightning vai acabar com a impressão de que carro elétrico é produto de nicho.
Ficha Técnica – Ford F-150 Lightning
Preço: US$ 90.874
Motor: 2 motores elétricos (diant. e tras.); 571 cv e 110 kgfm
Baterias: íons de lítio, 131 kWh
Carga: 19,2 kW (AC) / 150 kW (DC)
Câmbio: automático, 1 marcha + ré
Direção: elétrica
Suspensão: triângulos sobrepostos (diant.), braços transversais (tras.)
Freios: disco ventilado nas quatro rodas
Pneus: 295/45 R18 275/50 R22 (opc.)
Dimensões: comprimento, 598 cm; largura, 203 cm; altura, 200 cm; entre-eixos, 307 cm; peso, 2.990 kg; porta-malas, 400 l; caçamba, 1.495 l; capac. carga, 1.014 kg; capac. reboque, 4.500 kg
Desempenho: 0 a 100 k/h, 4,5 s; veloc. max. de 165 km/h; autonomia 482 km