Como o EcoSport evitou que a Ford saísse do Brasil há 20 anos
A Ford, que saiu enfraquecida da Autolatina, levou mais de uma década para reencontrar a rentabilidade – que perdeu nos últimos anos
Os anos 1980 não foram fáceis para a indústria automotiva brasileira. Para a Ford não foi diferente. O bom acabamento do Del Rey, lançado em 1981, não disfarçava o visual dos anos 1970. Mesmo o Escort, lançado em 1983, deixava a marca desamparada por não ser barato a ponto de ser considerado carro popular.
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Foram tempos tão difíceis que havia, pela primeira vez, boatos (ainda que infundados) de que a Ford pretendia deixar o Brasil. Logo em seguida que a fabricante anunciou a formação da Autolatina, uma joint-venture com a líder do mercado, a Volkswagen.
Àquela altura parecia uma boa ideia e fazia sentido. Juntas, seriam donas de uma fatia de 60% do mercado – em 1987, a VW detinha a liderança, com 39%, e a Ford tinha 21%. Mas, na prática, a união foi desastrosa para a Ford.
A VW ficou com 51% da Autolatina e com o poder de tomar as decisões gerenciais. Concessionárias Ford passaram a vender carros VW, e as da VW continuaram vendendo apenas VW. Quando a Ford tomou a decisão de sair da sociedade, em 1994, tinha apenas 11% (a quarta posição) enquanto a VW se mantinha na liderança, com nos 35%, enquanto novas marcas entravam no mercado.
Começava ali uma década inteira de desafios para a Ford.
A Volkswagen saiu da Autolatina com o Gol líder de vendas e a Ford, sem nenhum carro popular, se aventurou lançando o Escort Hobby 1.0 e 1.6 (ainda da primeira geração do modelo) ainda em 1994. E fracassou.
Tentou explorar o segmento de compactos com o Fiesta de terceira geração, importado da Espanha com 1.3 Endura de 60 cv em 1995. Durou apenas 14 meses: em maio de 1996 lançava no Brasil a quarta geração do Fiesta, mas só com o motor 1.3 e um 1.4 16V com 89 cv e, enfim, um bom desempenho. Mas ainda era caro.
Isso porque a Ford planejava para 1997 o lançamento do Ka, um compacto global, com estilo moderno e que estrearia com o motor 1.3 Endura, além de uma inédita versão 1.0 com 51 cv. Com ele, a fábrica de motores e transmissões de Taubaté (SP) começaria a funcionar.
Mas o compacto não livrou a Ford da sequência de anos de prejuízos. Tanto que esteve (dessa vez de verdade) perto de encerrar suas operações no Brasil.
A empresa acreditava no Ka como seu principal carro, que até vendeu bem nos primeiros meses. Mas o brasileiro não viu nele aquele carro popular que poderia ser o único da casa. Principalmente por ser muito pequeno e apertado. Inclusive, pesquisas feitas pela própria Ford apontaram, à época,, que quem comprava o Ka apenas por ele ser barato estava arrependido.
Foi quando a Ford percebeu que a resposta para os anseios do consumidor era o Fiesta, que só em 2000 recebeu uma reestilização que eliminava o visual tristonho e marcava a estreia dos famosos motores Zetec RoCam: 1.0 de 65 cv e 1.6 de 95 cv. E deu relativamente certo, pelo menos para um período de transição.
O início da virada
A fábrica de Camaçari (BA), na verdade seria em Guaíba (RS). Mas houve conflitos com o governo gaúcho e, sem conseguir um entendimento sobre os incentivos fiscais a Ford precisou partir para a alternativa na terra de Antônio Carlos Magalhães.
Na verdade, assim que a empresa anunciou a mudança em seus planos, o governo baiano iniciou rapidamente uma ofensiva, que incluiu até anúncios em jornais, acenando com o terreno, benefícios fiscais e, principalmente, a promessa de honrar seus compromissos. A fábrica, que no Rio Grande do Sul custaria US$ 1 bilhão, na Bahia passou a US$ 1,2 bilhão. Mas saiu do papel.
A estratégia não mudava: nela nasceria o Projeto Amazon, que incluía a construção da nova fábrica e a produção de uma linha completa de veículos globais. Ou quase isso: eram os Fiesta hatch e sedã de quinta geração e o inédito EcoSport.
A fábrica, por si só, era diferente de tudo que a Ford tinha no mundo. Previa a instalação de dezenas de fornecedores em galpões ao lado da linha de montagem, o que agiliza o processo fabril. Camaçari poderia produzir cinco diferentes veículos na mesma linha e tinha/tem capacidade instalada de 250.000 unidades/ano.
O primeiro modelo feito em Camaçari foi o Fiesta, com o mesmo visual do carro europeu mostrado em 2001, mas plataforma revista, adaptada ao Brasil e à necessidade de fazer dela um SUV compacto. Estreou em maio de 2002 mantendo os motores Zetec, mas com a estreia do motor 1.0 Supercharger de 95 cv.
O Fiesta foi bem recebido e obteve números de venda melhores que os também novos Chevrolet Corsa e Volkswagen Polo. Mas mantiveram a geração anterior do Fiesta à venda como carro de entrada e em janeiro de 2002 haviam iniciado a importação, do México, da versão sedã.
No fim daquele ano, no Salão do Automóvel, o Ford EcoSport apareceria antes mesmo de estar pronto. E foi a grande sensação do evento paulistano. Conta-se que a Ford se apressou para iniciar a produção do modelo, que em fevereiro de 2003 fazia sua estreia nas lojas. Os motores eram os mesmos do Fiesta, com direito ao Supercharger que, apesar do fracasso, só saiu de linha em 2006.
Criado e desenvolvido pela engenharia brasileira da Ford, foi o primeiro utilitário esportivo compacto fabricado no Brasil. E estreou quando as marcas rivais estavam apostando tudo em minivans. Não à toa, reinou praticamente sozinho, com o marco das primeiras 500.000 unidades alcançado em janeiro de 2009. Isso foi bem antes do lançamento do Renault Duster, em 2011.
A segunda geração fez sua estreia no Brasil em 2012 e, desta vez, chamou ainda mais atenção pelo visual moderno e por ter nascido um projeto global e baseado na nova geração do Fiesta. Também ganhava o novo motor 1.6 Sigma e o então inovador (e ainda inocente) câmbio de dupla embreagem Powershift combinado com o motor 2.0 de 147 cv. Mas foi reprovado no Longa Duração.
Em dezembro de 2015 fechou 1 milhão de unidades produzidas. Mas era o início da derrocada do EcoSport.
Foi em 2015 que estrearam aqueles que seriam os principais SUVs compactos nos anos seguintes, como Honda HR-V e Jeep Renegade. O segmento dos SUVs compactos estava se transformando no mais disputado do Brasil e o EcoSport, muito menor que a maioria dos rivais e já com a imagem desgastada pelo câmbio automático (cada vez mais exigido) problemático não conseguiu enfrentar.
Nem mesmo a reestilização de 2017, que trouxe uma grande evolução na qualidade e mecânica toda nova, ou posteriormente abandonar o prosaico estepe pendurado na traseira foi capaz de dar novo fôlego ao Ford EcoSport.
Mas dá para dizer que ele fez seu trabalho: criou um segmento e adiou em pelo menos 20 anos o fim da produção da Ford no Brasil. O projeto de sua terceira geração está vivo até segunda ordem, mas a única coisa certa agora é que ele não será nacional.
Vítima de sua própria estratégia?
O problema, talvez, possa ter sido a estratégia One Ford, que previa apenas com carros globais ou desenvolvidos para mais de um continente com a intenção de cortar custos. EcoSport e Ka caíram como uma luva para o mercado brasileiro, mas a criação das últimas gerações dos mesmos esteve amarradas às exigências do mercado europeu, indiano e, no caso do SUV, chinês.
Ao mesmo tempo, essa estratégia amarrou a Ford no Brasil, que poderia ter criado carros específicos para o mercado local, a picape derivada do EcoSport que era aventada desde o lançamento da primeira geração do modelo. Um carro completamente diferente do que se tinha no Brasil e no mundo, como era o EcoSport de primeira geração, não teria existido se a estratégia One Ford já existisse no início do século.
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