Como um carro a combustão pode ser menos poluente que um elétrico?
Eliminada a fumaça dos escapamentos, existem outros aspectos que dependem da evolução da tecnologia para que os veículos deixem de poluir
Além das limitações prosaicas relacionadas à autonomia das baterias e ao tempo de recarga, há entraves bem mais desafiadores para os carros elétricos, como o fato de emitirem mais CO2 que os modelos convencionais, quando a energia usada em sua produção é gerada por usinas que poluem. Isso porque os elétricos consomem mais energia elétrica, principalmente na fabricação das baterias, para serem feitos do que os carros a combustão.
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Durante a vida útil, elétricos poluem menos. Mas considerando todo o ciclo, da produção ao descarte dos veículos, e também da energia usada, os térmicos conseguem descontar essa desvantagem e podem até virar o jogo, se rodarem com biocombustíveis, segundo alguns trabalhos feitos por especialistas.
Existem vários estudos ao redor do planeta que chegam a essa conclusão. Os resultados dos trabalhos nem sempre coincidem, em razão da metodologia e dos critérios adotados e também pela diversidade de tecnologias que os estudiosos encontram no mercado.
A variação vai dos materiais aos processos de fabricação, passando pela capacidade das baterias, dos tipos de motores e da energia consumida (seja eletricidade, seja combustível). Segundo um levantamento da Lund University, da Suécia, a quantidade de CO2 equivalente emitida durante a produção das baterias pode variar entre 30 e 494 kg CO2/kWh, considerando diferentes análises já feitas.
Os cientistas da Lund University (Öivind Andersson e Pal Börjesson) mencionam alguns dos trabalhos realizados. Um deles conclui que comparando os ciclos de vida (LCA, Life Cycle Assessment) de carros a combustão, rodando com combustíveis fósseis e alternativos, e elétricos, com eletricidade gerada na Bélgica, o elétrico emite menos gases do efeito estufa (GHG, Greenhouse Gas) que os demais, com exceção dos modelos abastecidos com E85 (85% etanol, 15% gasolina) extraído de cana-de-açúcar. A eletricidade consumida na Bélgica advém de energia nuclear (52%), termelétrica (29%) e fontes renováveis (19%).
Outro estudo citado, que comparou dez tipos diferentes de veículos, apresentou resultados surpreendentes, destacando que um modelo abastecido com etanol de primeira geração emite menos que um elétrico carregado com energia gerada nos Estados Unidos (cuja matriz tem 60% termelétrica, 20% nuclear e 20% renovável) e um modelo abastecido com etanol de segunda geração (mais sustentável porque aproveita não só o caldo da cana mas também a palha e o bagaço) emite menos que um elétrico carregado com energia elétrica de matriz 100% renovável.
Esse estudo considera que os modelos em questão eram equipados com baterias produzidas no Japão e na Coreia, países que lideram o fornecimento de baterias, nos quais as matrizes elétricas usam de 25 a 40% de energia vinda de termelétricas. Ou seja: de matrizes sujas.
O trabalho dos suecos menciona os impactos ambientais do cultivo da cana. Mas aponta efeitos ainda mais devastadores para a produção das baterias em razão do elevado consumo de energia e também pela existência de componentes feitos com metais de terras raras, que estimulam a mineração e seus conhecidos danos para a natureza (alteração do relevo e da vegetação e poluição da água).
Sem falar que a destinação final das baterias ainda é algo que precisa ser tratado. A reutilização como acumuladores (segunda vida) e a reciclagem são dois caminhos que necessitam de aprimoramento.
Por conta desses problemas, mesmo retirando os veículos a combustão das ruas, a Europa teme não conseguir zerar as emissões do setor de transportes até 2050, como pretendia.
RETRATO DO BRASIL
Depois de ver o estudo da Lund University, é possível imaginar um cenário otimista para o Brasil frente às novas tecnologias da mobilidade. O país tem experiência e know-how em toda a cadeia de produção do etanol e sua matriz elétrica é mais limpa que a média mundial, apesar da crise hídrica.
Segundo o Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2020, do Ministério de Minas e Energia, nossa matriz elétrica é composta por 81,8% de fontes renováveis (hidráulica, eólica, solar) e 15,9% de fontes sujas (carvão, petróleo, energia nuclear).
Apesar disso, porém, o Brasil ainda não resolveu problemas básicos da mobilidade convencional. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), apenas 12,4% da malha rodoviária nacional é pavimentada. Ou seja: existem muitas questões primárias que ainda carecem de solução.
Pensando em saber como a população brasileira se movimenta em seus deslocamentos diários, para entender qual o efeito dos avanços tecnológicos e sociais da mobilidade para todos, dois jovens iniciaram em setembro um projeto de pesquisa, que vai levantar diferentes dados sobre a população (idade, renda), as cidades (urbanização, meios de transporte) e os meios de transporte usados (idade da frota, modais) nos quatro cantos do país.
Ariane Marques e Tobias Hükelholfen são apoiados pela SAE Brasil (Sociedade de Engenheiros da Mobilidade), em parceria com empresas como Bosch, Mercedes-Benz e EcoX.
O projeto, batizado de Observatório da Mobilidade SAE Brasil, vai visitar mais de 40 municípios de 24 estados do país, percorrendo cerca de 30.000 quilômetros durante dez meses, a partir de setembro deste ano.
Os resultados serão analisados por uma equipe multidisciplinar criada pela SAE Brasil e devem gerar um documento que depois será disponibilizado para o público, bem como entidades privadas e governamentais.
Os interessados no trabalho dos pesquisadores podem acompanhar as diferentes etapas da viagem por meio do site da SAE (saebrasil.org.br/observatorio), do YouTube (youtube.com/user/canalsaebrasil) e do Instagram (@observatoriosaebrasil).