Conduzir uma Honda CG com sidecar foi uma experiência dramática
Nosso colunista conta que, depois de andar com a Honda CG e sofrer um pequeno acidente ao conduzir a moto, não quis mais saber dos sidecars
Já fiz muitos testes pela QUATRO RODAS que, por diversas razões, foram inesquecíveis. Lançamentos, carros de luxo, superesportivos. Um dos que ficaram marcados em minha memória, porém, foi a bordo de uma simples e básica Honda CG 125. O teste não era propriamente da moto, e sim da moto equipada com um sidecar que acabara de ser lançado especialmente projetado para ela.
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A reportagem foi publicada na edição 227, de junho de 1979, dois meses depois que recebi a incumbência do então chefe de reportagem, o jornalista Emilio Camanzi.
A missão incluía levar a moto equipada com o sidecar até a pista em Limeira (SP) e lá tirar os números da CG com o implemento, que era fabricado pela Toya, uma empresa especializada na produção de peças de plástico reforçado por fibra de vidro, que anos depois desenvolveu kits de personalização com spoilers e saias para modelos da linha VW como Gol, Voyage e Saveiro.
Eu nunca tinha visto um sidecar de perto. Sidecar, para mim, naquela época, era coisa de maluco: gente que disputava corridas nesse tipo de veículo, nas preliminares do Campeonato Mundial de Motos. Os sidecars eram controlados por dois corredores, um era o piloto de fato e o outro, um tipo de copiloto que ajudava na pilotagem fazendo pêndulos com o peso do corpo.
Só podiam ser malucos porque faziam verdadeiras acrobacias, se contorcendo de um lado para o outro em um espaço minúsculo do veículo, para obter melhor distribuição de peso entre o conjunto moto/side, ficando, muitas vezes, com o corpo para fora do veículo e quase encostando no solo. Era perigosíssimo. Cheguei a ver muitos acidentes e quedas de pilotos e copilotos.
Havia também aqueles filmes antigos sobre a Segunda Guerra Mundial, em que os americanos faziam questão de sacanear os nazistas que se deslocavam em sidecars fazendo com que eles perdessem o controle do veículo, indo parar em barrancos, lagos ou desaparecendo no meio do mato.
Eu achava essas cenas engraçadas, até precisar pilotar a tal CG.
Quando o Camanzi me passou a pauta, a ideia era que eu retirasse o veículo na fábrica – que ficava no bairro do Ipiranga, em São Paulo – e de lá seguisse para a pista, distante cerca de 170 km da capital. Assim eu já podia ir avaliando o desempenho da moto no caminho, disse o chefe de reportagem.
Ao entrevistar os projetistas, porém, me surpreendi quando eles me desencorajaram a viajar com a moto. Disseram que não seria seguro pegar a estrada sem conhecer o veículo antes e me propuseram fazer um treinamento prévio.
Para que eu entendesse o que queriam dizer com aquela advertência, um deles me levou para dar uma volta como acompanhante, no side, e me explicou que o ideal era colocar lastro de cerca de 60 quilos, quando o side estivesse vazio, para garantir a estabilidade.
Depois de andar como passageiro, o projetista deixou que eu experimentasse o veículo. Mas, detalhe, ele não foi comigo. Fui sozinho, enquanto ele ficou me esperando na oficina.
A sensação de pilotar aquela coisa era mesmo estranha e eu não sabia como fazer uma curva para o lado oposto ao do side, sem tomar um susto ao sentir a roda do implemento levantar. Os projetistas tinham razão: melhor treinar antes.
Disseram que o ideal seria colocar um lastro de 60 quilos, quando o side estivesse vazio, para garantir a estabilidade
Dias depois, fiz o treinamento em um local de pouco movimento. Mas, por via das dúvidas, decidi viajar tendo o tal lastro de 60 quilos (de sacos de areia) como companhia. Esse recurso melhorou muito a ciclística do conjunto, mas confesso que, mesmo depois de habituado ao equipamento, continuei com a sensação de insegurança, sempre imaginando que a roda do side levantaria a qualquer momento por causa das intensas oscilações laterais da dianteira da moto, conforme relatei na reportagem.
Além disso, como o motor da 125 tinha apenas 11 cv de potência, a moto sofria com o excesso de peso e perdia velocidade em qualquer subida um pouco mais íngreme, me obrigando a fazer constantes reduções de marcha. O pior ainda estava por vir, porém. E aconteceu na pista de testes.
Normalmente, nos testes de motos, daquele tempo, os pilotos utilizavam os rádios de comunicação para falar com os cronometristas que ficavam à margem da pista registrando os tempos. Mas, como usávamos capacetes com intercomunicadores (não lembro se eu ou o próprio cronometrista, que se chamava Jaime), tivemos a ideia de trocar o lastro por um ocupante de verdade, no caso, o cronometrista.
Com o colega sentado a meu lado, dentro do sidecar, cumpri a primeira passagem do primeiro teste com tranquilidade. E assim foram se sucedendo os ensaios. Porém, praticamente na última prova de aceleração, eu estava em linha reta quando ouvi o cronometrista assustado gritar para que eu virasse o guidão mais para a esquerda. “Mais para a esquerda, mais para a esquerda”, ele dizia apavorado, porque o sidecar, praticamente sem controle, passou a ir totalmente para a direita.
Perdi a estabilidade e o controle do guidão, saindo da pista e, tal como os alemães, indo parar em um barranco. Ao contrário dos filmes, como eu vinha embalado, consegui transpor o morro, mas ainda estava desgovernado e fui parar com o sidecar dentro de um bueiro na lateral da pista.
Felizmente, paramos sem nenhuma consequência mais grave nem para mim nem para o cronometrista, e o próprio side ficou inteiro. Mas o susto foi grande.
Me senti como uma personagem de cinema, só que sofrendo um acidente real. Sabe quando eu quis voltar a andar em um sidecar na vida? Nunca. Nem que me pagassem bem e se fosse apenas para participar de um filme da Segunda Guerra Mundial, com um acidente engraçado no roteiro, em que na hora H pusessem um dublê no meu lugar.
Jornalista, trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Senna
e 25 anos na Audi.
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