Isolamento social: por que é tão difícil chegar de carro ao Amapá?
Único estado brasileiro desconectado da malha viária, o Amapá representa um desafio a quem tem medo de avião
Após quase uma semana, o Amapá começou a restabelecer seu fornecimento de energia elétrica. O apagão gerado por um incêndio na capital Macapá gerou prejuízo e caos aos moradores, evidenciando os problemas logísticos do único estado sem ligação rodoviária com o resto do Brasil.
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Mais extensa que a Inglaterra, a região é a única do Brasil a fazer fronteira, ao norte, com a Guiana Francesa, além de também se encontrar com o Suriname. E é lá também que fica o Oiapoque, ponto mais setentrional do litoral brasileiro.
Naturalmente isolados por sua localização, a Floresta Amazônica também é um grande obstáculo logístico aos amapaenses, já que a divisa com o Pará é marcada, ao oeste, por uma das partes mais inóspitas da floresta.
A capital Macapá, com mais de meio milhão de habitantes, está próxima de Belém, mas separada por nada menos que a gigantesca foz do rio Amazonas, cujo leito atinge cerca de 50 km largura entre a cidade e a ilha de Marajó.
Se a distância não bastasse, o colossal rio ainda atinge profundidade de dezenas de metros em alguns pontos, tornando completamente inviável a construção de uma ponte entre os estados.
Desse modo, o transporte aéreo ocupa papel vital para a população amapaense, que faz da rota até Belém um trecho bem movimentado.
Para as cargas ou aqueles que não podem voar, a opção é pegar uma balsa que contorna a ilha de Marajó e chega ao destino em até 48 horas.
Essa é a escolha de Diego Araújo, que mora na capital. De acordo com o estudante de Comércio Exterior, as recentes benfeitorias nas estradas locais estimularam o uso de carros, mas o transporte fluvial é comum até mesmo para locomoção interna.
Segundo Diego, não há muitos problemas para receber suas encomendas e serviços de outros estados, mas o frete inevitavelmente ganha três dias de prazo só pelo trecho de rio entre a cidade que passa sobre a Linha do Equador e sua ‘vizinha’.
Projetos e muitos atrasos
Mesmo isolado, o Amapá conta com duas rodovias federais, as BRs 210 e 156. A primeira, também chamada de Perimetral Norte, fazia parte dos projetos da Ditadura Militar de conectar a região Norte ao resto do Brasil, assim como suas ‘irmãs’ BR-230 (Transamazônica) e BR-163 (Cuiabá-Santarém).
A ideia dos militares era que a BR-210 atravessasse o extremo norte do País, conectando Macapá à Colômbia. Sua construção, porém, foi interrompida precocemente e as duas frentes de trabalho nunca se conectaram.
Hoje a BR-210 apresenta uma curiosa separação de mais de 700 km entre seus extremos de Caroebe (RR) e Pedra Branca do Amaparí (AP), com apenas Terras Indígenas entre as duas pontas.
A presença de povos extremamente isolados e ameaçados, como os caçadores-coletores Zo’é, torna completamente improvável qualquer tentativa de ‘fechar’ a rota.
A tão sonhada ligação amapaense com o resto do Brasil, na verdade, está depositada na BR-156, que liga Oiapoque a Laranjal do Jari, no sudoeste do estado. Após superar densa vegetação, um clima superúmido e todos os tipos de desafios, o desejo, entretanto, não foi páreo para a burocracia brasileira.
Isso porque, entre o final da BR-156 e o território paraense, há apenas o rio Jari, com 400 metros de largura. A obra que colocaria ponto final ao isolamento de parte do povo brasileiro até começou em 2002, mas denúncias de corrupção e má gestão de recursos travaram a construção, cujos pilares seguem se destacando no leito do curso d’água.
Em outubro desse ano, o DNIT e o Ministério do Desenvolvimento Regional assinaram um termo para finalizar, em doze meses, a obra. Mas nem tudo é tão fácil quanto parece.
O principal ponto dos críticos à obra é justamente que ele terá um efeito prático nulo, já que ligará Laranjal do Jari a uma localidade paraense que, acredite se quiser, só pode ser acessada por barco.
Trata-se do município ribeirinho de Almeirim, à beira de um dos pontos mais largos do Amazonas. Seu pólo mais próximo é Santarém, também às margens do rio.
As tentativas de atravessar o gigante d’água, porém, esbarram tanto nas questões geográficas quanto na existência de grandes reservas ambientais até Altamira, já mais conectada com o resto do Brasil.
Se virando com o que há
O isolamento amapaense fez com que os locais desenvolvem-se uma relação próxima com os vizinhos franceses da Guiana Francesa, que, aí sim, pode ser alcançada tranquilamente pelo chão.
É comum que moradores da região norte do estado procurem Caiena, capital da Guiana Francesa, como cidade de apoio para serviços e comodidades. Desse modo, eles literalmente adentram na União Europeia, já que o território pertence à França e lá se aplicam quase todas as mesmas normas e regras que haveria em Paris, por exemplo.
Para dar conta do fluxo entre a Macapá e a Grande Belém, a solução foi investir em cada vez mais eficiência marítima. Pensando nisso, a transportadora NorteLog se especializou na ligação entre as capitais e recentemente inaugurou a maior balsa do Brasil — Canoa do Bibi 18 — com capacidade de transportar até 80 carretas simultaneamente.
O Aeroporto de Macapá também recebeu melhorias e, após uma obra marcada por denúncias de irregularidades, foi reinaugurado em 2019. Mesmo assim a pista não recebeu o sistema de pouso por instrumentos, que permite operações sob baixa visibilidade. Logo, uma forte chuva ou nevoeiro é capaz de deixar o estado praticamente isolado, restando encarar um Amazonas eventualmente revolto.
Ainda que o caos energético tenha escancarado o isolamento de um dos estados que mais mineram no Brasil, há muita água — literalmente — a ser superada para conectá-lo ao irmãos brasileiros.
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