Jeremy Clarkson: a contradição ambulante da Bentley
Antes carro de velhos, agora o Bentley Continental GT é comprado por crianças que cantam rap e falam palavrões. E mesmo assim não tem uma entrada USB
Um dia desses eu encontrei uma pessoa que usa um celular antigo da Nokia. “Eu posso fazer e receber chamadas”, disse ela, “e posso enviar mensagens de texto e a bateria dura vários dias. O que mais você poderia querer?” Nem me dei ao trabalho de responder.
Usar um celular que não é capaz de receber fotos, enviar e-mails ou armazenar música é como viver em uma caverna. Sim, é seco e quente e precisa de bem pouca manutenção, mas acho que você vai preferir morar em uma casa com aquecimento central e um fogão. Não discuta. Você simplesmente vai.
Sim, eu admito que às vezes a Apple me deixa louco. Não gosto do jeito como alugo um filme dela e ela não me deixa vê-lo a não ser que eu encontre um wi-fi e selecione uma nova senha – “Não, essa não é boa o suficiente”. “E essa também não” – e passe os dados do meu cartão de crédito e aceite seus termos e condições, que basicamente dizem que ela passa a ser dona da minha alma.
Também detesto a última versão do sistema de armazenamento de músicas, que não me deixa colocar em um modo aleatório e pular de Bee Gees para The Clash.
Mas, apesar de tudo isso, prefiro perder um pulmão a ficar sem o meu iPhone. É mais fácil eu me lembrar de pegá-lo ao sair de casa de manhã do que de colocar minhas calças.
E todo dia alguém me mostra um novo recurso ou um novo app que torna minha vida mais surpreendente, fácil e agradável. Se eu não tivesse o Snapseed para ajustar minhas fotos, o Instagram para espiar as vidas perfeitas dos meus amigos ou um mapa para mostrar quanto tráfego há no anel perimetral de Oxford, eu teria de me suicidar.
E isso me leva diretamente ao Bentley Continental GT Speed levemente atualizado que estou dirigindo. Falo levemente porque seu design se mantém o mesmo há 15 anos. E ele ainda não tem uma porta USB. Meu VW Golf tem. Um Fiat 500 tem. Mas esse supercarro de gran turismo que custa 168.900 libras (R$ 710.000) não tem.
Sim, ele possui Bluetooth, o que a Bentley acha que dá conta do recado do mesmo jeito. Só que não (e, de qualquer maneira, ele não estava funcionando).
Meu celular ficou lá dizendo que estava procurando por um dispositivo enquanto eu apontava para o painel e gritava: “Como você não consegue achar um Bentley, sua lata de lixo burra? Ele é enorme”.
E, ainda mais espantoso, enquanto procurava com os dedos a entrada em que poderia conectar meu cabo, abri o porta-luvas, encontrando lá um cabo flexível que não se conectaria com nada deste século e uma disqueteira para CDs. O que, em termos de tecnologia, é quase do tempo dos toca-discos.
Todos conhecemos o problema, é claro. Colocar uma porta USB no Continental exigiria redesenhar toda a central multimídia e o painel. Isso significaria fazer ajustes na linha de produção, e isso custaria mais de 100 bilhões de libras.
E você pode pensar: para quê? A Bentley tem praticamente o dever de equipar seus carros com um gramofone e um fogão a lenha em vez de um aquecedor, porque as pessoas que compram essas coisas são velhas e estão presas às suas tradições.
Só que os compradores de carros da Bentley hoje têm, em média, em torno de 6 anos de idade. O Continental se tornou o carro preferido de todos os cantores de rap de sucesso.
Nos EUA, a Bentley se tornou um sinônimo tão grande da cultura rap que quando eu fui pegar um nova-iorquino no aeroporto num dia desses, ele entrou no Continental e disse: “Oooh. Um FDPB.” Em uma revista de família eu só posso dizer que o B é de Bentley. Você terá de descobrir o resto por si mesmo.
Mas agora esse é um carro de jovens. Um carro legal. Mas eu poderia dirigir um carro que não tem porta USB? Eu acho que a resposta é sim, da mesma forma que poderia escrever esta coluna em uma máquina de escrever e mandá-la pelo correio. Eu poderia. Mas não gostaria.
O carro também tem outros problemas. Ele começou sua existência com uma carroceria que conseguia ser vulgar e insípida ao mesmo tempo. Mas uns anos atrás, algumas mudanças de estilo bem pequenas o tornaram muito atraente. E agora a empresa engatou a ré de novo, especialmente na traseira, com uma tampa de porta-malas que me traz à memória o velho Sunbeam Rapier.
O maior problema, no entanto, é o enorme motor W12 biturbo de 6 litros. Não tem nada de errado com a potência, que é imensa, ou com o torque, que é planetário, e tampouco com o barulho que ele faz, que é um ribombar abafado ligeiramente assustador, que se torna muito assustador quando você acelera.
Também não vou reclamar da velocidade incrível a que ele pode chegar, e nem fiquei muito perturbado com seu consumo de combustível. O que me incomodou foi que esse W12 não é tão bom quanto o V8 que a Bentley oferece como uma alternativa mais barata.
Sim, você tem um pouquinho mais de potência e uma velocidade máxima ligeiramente maior, mas os pontos negativos são evidentes. Ele deixa o carro pesado. O que significa que você percebe, quando faz uma curva, que a suspensão e os pneus estão tendo de trabalhar mais do que o necessário. E o problema fica ainda mais claro quando você freia. Às vezes até parece que você está tentando conter um desmoronamento.
De fato, quanto menos você paga por um Continental GT, melhor o carro que leva para casa. O V8 S ainda passa a sensação que um Bentley deve – grandioso e opulento -, mas ele passa a imagem de pesado sem realmente sê-lo. O que significa que ele é mais gostoso de dirigir, mais ágil e mais econômico que o Speed.
Ele vem basicamente com o mesmo interior e o mesmo nível de equipamentos. O que significa que ele também não tem porta USB. Isso é uma coisa que a Bentley vai ter de resolver, não importa o custo.
Jeremy Clarkson – é jornalista, ex-apresentador do programa Top Gear e celebridade amada pelos fãs e odiada por algumas marcas.