Nos treinos do GP de Singapura de 2017, Valtteri Bottas começou a notar que sua Mercedes estava com problemas repetitivos na aceleração. Numa estranha coincidência, sempre que o W08 de mais de 1.000 cv passava sobre um trecho do circuito o motor engasgava.
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A solução não veio de modo supersticioso, tampouco dos engenheiros nos boxes, mas da sede Mercedes-AMG, na Inglaterra. Do outro lado do mundo, na bucólica Northamptonshire, uma análise dos dados em ambiente tranquilo logo encontrou o problema: uma ponte que compõe um trecho do circuito de rua.
Feita em estrutura metálica, a ponte atuava como uma gaiola de Faraday, gerando efeito eletromagnético que bloqueava instantaneamente a comunicação do carro com os boxes, interrompendo a aceleração. Posteriormente contornada, a falha estava causando mais de 0,02 s de perda — suficientes para mudar muita coisa no jogo.
A própria Mercedes conta essa história para exemplificar a importância dos dados na Fórmula 1 atual — e ressaltar o quanto a adrenalina, barulho e burburinho dos circuitos pode ser inimiga da concentração.
Goste ou não, a era romântica da F1 deu lugar a um duelo de nerds (termo cada vez mais elogioso) e cientistas, disfarçados pelo estiloso fardamento da escuderias. Os pilotos mais se parecem astronautas e, enquanto pilotam uma besta de fibra de carbono e dois motores, ainda mandam mensagens de rádio cifradas que confundem os narradores da TV.
Por ser um dos pontos mais altos da cidade de São Paulo, os prédios da Avenida Paulista abrigam antenas das mais diversas tecnologias e frequências. Por isso, não é incomum ver carros em teste por ali. No passado, quando a injeção eletrônica não era tão avançada e sua blindagem era inferior a de hoje, alguns carros chegavam a desligar no meio da avenida por causa das interferências.
Câmbio CVT?
Para o regulamento que entrará em vigor a partir do ano que vem, gênios da mecânica como Adrian Newey e Gordon Murray dividirão, ainda mais, os louros com quem souber ser não apenas rápida, mas econômica. Afinal de contas, já vigora um limite de gastos anuais com os carros e o primeiro ano de novos carros certamente é mais caro do que a média.
Um desses players que a alemã faz questão de expor — num misto de orgulho e compartilhamento da responsabilidade de manter a hegemonia de Toto Wolff e sua turma — é a Tibco, empresa norte-americana da área de tecnologia. O trabalho longevo agora dá um novo passo com a Cost Visualization Tool (ferramenta de visualização de custos, na sigla em inglês), com ares hi-tech.
Ele guarda algumas semelhanças semânticas com o CVT mais conhecido, como o fato de ser, de certo modo, continuamente variável. Como explica Oscar Peace, o Business Process Analyst do time de Lewis Hamilton, a QUATRO RODAS, é possível que um projetista veja em tempo real quanto uma pequena mudança no projeto do carro impactará no orçamento todo.
Segundo Peace, a turma da oficina não queria perder tempo decifrando tabelas. “Os custos tinham que ser visuais”, conta. A solução veio de um membro do time de eletrônica, que se lembrou do modo que computadores domésticos exibem a memória ocupada. Essa memória, no caso da F1, é o orçamento anual de US$ 175 milhões.
Alimentada por uma imensidão de dados que dá conta de cada centavo do orçamento limitado pela FIA, a CVT foi desenvolvida junto à TIBCO e se afirma capaz de unir coisas tão extremas quanto grandes dados e gráficos simples.
É como se, neste momento, o responsável por desenhar a asa dianteira do carro de 2022 soubesse o custo de adicionar um “dedo” a mais de aerofólio, considerando a porção que isso acrescentaria em testes, fabricação, frete (pelo aumento de peso e volume) e estocagem, entre vários outros cálculos que levam em conta até balanços contábeis de despesas “bestas”.
Isso é mais do que qualquer pessoa calcularia em tempo hábil, mas exibido aos construtores de modo que a decisão mais eficiente seja tomada sem muito esforço. “Esqueça aquela história de ‘nós arrumamos o dinheiro e vocês (equipe) gastam o que for preciso para criar o melhor carro possível’. Em vez disso, cada centavo conta”, diz o diretor financeiro Russel Braithwaite.
Obviamente o poder de fogo do software não é completamente revelado, mas sabe-se que ele é capaz até de interferir na estratégia de corridas em andamento com base no resto do calendário. Traduzindo em exemplos, é como se o staff de Lewis Hamilton calculasse a volta ideal para ultrapassar Max Verstappen sabendo o custo exato dessa ultrapassagem, seja feita ela feita uma volta antes ou depois.
Humildes perante a Máquina, os alemães demonstram inabalável confiança na CVT como peça-chave de mais um título de Construtores, até agora na mão de Wolff mais uma vez. Ciente disso, confesso que passei a não ser mais surpreendido quando as equipes de ponta do circo volta e meia tomam decisões incomuns, pautadas em dados que talvez nem seus engenheiros deem conta.
Até o especialista Reginaldo Leme assumiu, em corrida recente, que nem seu extenso conhecimento dá conta de analisar estratégias com base só no que se vê. O que dizer, então, de espectadores como nós…
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