R$ 240 mil? Entenda o sistema que cobra multas astronômicas na Finlândia
Buscando maior igualdade entre as punições para ricos e pobres, o sistema chamado "day fine", criado em 1920, é utilizado principalmente em países europeus
Imagine ser multado por ultrapassar o limite de velocidade de uma via e a cobrança recebida ser de, aproximadamente, R$ 242.000. Parece erro de digitação, mas existe um sistema que torna essas multas altíssimas algo real.
Clique aqui e assine Quatro Rodas por apenas R$ 8,90.
O sistema peculiar é utilizado pelos países nórdicos e escandinavos na Europa, entre eles a Finlândia. Lá foi aplicada o que se acredita ser a multa mais cara da história.
Em outubro de 2001 o diretor da Nokia, Anssi Vanjoki, foi pego acima do limite de velocidade. Ele estava com sua Harley Davidson a 75 km/h em uma via que tinha 50 km/h como limite. Como resultado, o diretor da empresa de telecomunicações finlandesa recebeu uma multa de € 116.000. Mas qual o motivo desse valor?
Como funciona o sistema de multas por renda chamado “day fine”?
Utilizando a Finlândia como exemplo, as multas de trânsito, assim como punições por furto, são calculadas com base na renda do infrator. Quanto maior a renda do indivíduo que cometeu o delito, maior o valor da multa. Essa decisão serve para tornar a punição proporcional e justa para ricos e pobres.
No caso do diretor da Nokia, o sistema utilizou como base o último dado de renda disponível que apontava que Anssi Vanjoki tinha € 14 milhões em conta. O resultado foi a multa de mais de R$ 242.000 (na cotação de janeiro de 2002, o euro custava 2,09 reais).
Uma outra situação levantada pelo jornalista Joe Pinsker, do The Atlantic, é do empresário Reima Kuisla. Ele foi pego a 105 km/h em uma via que tinha 80 km/h como limite. Ele havia declarado uma renda de cerca de 6,5 milhões de euros, o que resultou na multa de mais de € 54.000.
O cálculo que é feito é, em tese, simples. Primeiro há uma estimativa de quanto o indivíduo gasta em um dia e divide-se esse número por dois. Leva-se em conta o número de filhos dele ou dela e retira-se um valor para despesas básicas, cerca de € 255. O resultado é a quantia apropriada para a multa. Após isso, o sistema define quantos “dias” a pessoa será punida, conforme a gravidade do delito.
Então, por exemplo, um finlandês que andou cerca de 24 km/h acima do limite de velocidade será punido por 12 dias, enquanto alguém que estava 40 km/h acima do limite receberá a punição por 22 dias. Portanto, ao longo do período definido pelo sistema, o indivíduo terá uma cobrança de metade do valor que gastaria com base em sua renda.
Dito isso, mesmo com um limite de cobrança de 120 dias, não há um teto para o valor da multa, ou seja, quanto maior a renda do indivíduo, maior será o valor que ele terá que pagar. A finalidade é adotar um sistema igualitário. Se valores considerados baixos incomodam as classes menores, valores maiores devem incomodar os mais ricos a ponto de que não voltem a cometer as infrações.
Para efeito de comparação, um cidadão que cometa a mesma infração que o empresário Reima Kuisla, mas que ganhe € 50.000 e não 6,5 milhões, e não tenha filhos pequenos, terá que pagar cerca de 345 euros.
Quais foram os desfechos das multas?
Kuisla protestou contra o alto valor em uma rede social. “Para as pessoas mais ricas e que têm maior renda, a Finlândia é um país impossível de se viver”, afirmou. Após receber a cobrança, ele fez 12 publicações com tom elevado, onde inclusive falava que, com o valor, poderia comprar uma nova Mercedes.
Quando procurado pelo The New York Times, ele disse que não daria entrevista e afirmou que “o jeito que as coisas são feitas na Finlândia não faz o menor sentido”. Antes de desligar, questionou “para o que e quem essa sociedade (finlandesa) existe”. Outro cidadão finlandês, multado em € 50.000, disse que os valores eram fruto de um “estado que não é governado constitucionalmente”.
Como explica o jornalista Joe Pinsker, quando algo gera tamanha revolta dos mais ricos significa que, provavelmente, um processo mais justo está em utilização. O próprio superintendente do Conselho Nacional de Polícia da Finlândia na época, Pasi Kemppainen, afirmou que o sistema é “antigo e cobrava multas altas, mas apenas daqueles que poderiam pagar esses valores”.
Mesmo assim, por conta de toda a repercussão das quantias, as duas multas, tanto de Reima Kuisla como de Anssi Vanjoki, foram reduzidas. Vanjoki afirmou que a multa havia sido calculada com base na sua renda em 1999, que girava em torno de € 14 milhões. Segundo ele, quando a infração foi cometida em 2001, sua renda era bem diferente.
Após apelações, ambos os empresários finlandeses conseguiram reduzir as cobranças para valores que, para eles, eram simbólicos.
E em outros lugares?
Nos Estados Unidos, o sistema chegou a ser testado em algumas regiões. A diretora executiva da ONG Justice Strategies, Judith Greene, ajudou a implementar um teste do sistema em Staten Island cerca de 30 anos atrás. Pouco tempo depois, uma iniciativa semelhante surgiu em Milwaukee.
Esse sistema não progrediu em território norte-americano porque, de acordo com as autoridades, as punições não eram severas o suficiente e “o foco era prender”, afirma Greene.
Entretanto, a questão do encarceramento em massa é discutida atualmente, o que abre espaço para uma nova chance do sistema nos EUA. “Temos um novo ambiente, em relação a atitudes públicas sobre justiça criminal e sentenças. Por que não tentar agora?”, conclui.
Por outro lado, aqui no Brasil, a multa por excesso de velocidade é dividida em três partes. Quando o infrator está a até 20% a mais que o permitido na via, quando ele está a até 50% acima do limite de velocidade e, por último, quando ele está mais de 50% acima do limite de velocidade da via.
Excesso de velocidade, até 20% a mais do permitido na via (Média) | R$ 130,16 | 4 pontos na carteira |
Excesso de velocidade, de 20% até 50% a mais do permitido na via (Grave) | R$ 195,23 | 5 pontos na carteira |
Excesso de velocidade, acima de mais de 50% do permitido (Gravíssima) | R$ 880,41 | 7 pontos na carteira |
Não pode ir à banca comprar, mas não quer perder os conteúdos exclusivos da Quatro Rodas? Clique aqui e tenha o acesso digital