Quando Dilma Rousseff mandou a Audi voltar a fabricar carros no Brasil
Como o inesperado levou a Audi a voltar a fabricar carros no Brasil
Salão do automóvel é uma espécie de evento em extinção. As fábricas dizem que o investimento não compensa, o público já não acude aos salões como antigamente e que a pandemia acabou desmotivando a todos.
Seja lá como for, este ano, entre 7 e 12 de setembro, foi realizado o Salão de Munique, o primeiro entre os mais tradicionais, desde o início da pandemia. E salões do automóvel sempre me trazem boas lembranças.
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Aqui mesmo, já falei de alguns momentos inesquecíveis, como o primeiro evento da Audi no Brasil, em 1994, quando a marca colocou o conceito Avus Quattro na esquina da Avenida São João com o Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo.
E o salão de 2012, quando disponibilizou o superesportivo R8 GT para test-drive do público, carro que acabou servindo ao craque Neymar, que desceu a Serra do Mar rumo a sua casa em Santos (SP). Nesse mesmo Salão de 2012 houve também um fato muito curioso que eu ainda não havia compartilhado nesta coluna, mas que passo a relatar agora.’
Todo salão do automóvel é inaugurado por autoridades, geralmente o presidente da República e essa ilustre visita gera uma série de situações que o público não fica sabendo. Começa pelos preparativos da recepção presidencial.
Na véspera da abertura oficial, o salão, que de fato abre dois ou três dias antes para a imprensa, fecha mais cedo e a equipe do cerimonial e da segurança da Presidência percorre todas as instalações para verificar se está tudo em ordem e se não existe nenhum risco para o presidente e sua comitiva.
Nesse dia, ninguém pode permanecer no pavilhão das exposições. E, no dia da abertura, somente os funcionários das fábricas têm permissão para entrar. Os jornalistas que cobrem o setor automobilístico são literalmente barrados pelos seguranças. Somente os que fazem a cobertura da agenda do presidente, devidamente cadastrados, têm o acesso liberado.
Além de discursar e declarar o Salão oficialmente aberto, é costume o presidente percorrer a mostra, visitando os estandes, examinando os carros e conversando com as pessoas.
Por conta disso, todos os expositores desejam ser agraciados com um pouco da atenção do mandatário, ocorrendo uma disputa velada entre os executivos das fábricas para ver quem consegue chamar mais a atenção do visitante. Em 2010, a Audi havia se dado bem.
O presidente da República era o Lula. E o da Audi, o Paulo Kakinoff, que hoje está na Gol Linhas Aéreas. O Kakinoff estava na comitiva do presidente e não teve dificuldade para conseguir que o chefe da nação visitasse o estande.
O Lula até se demorou, entrando nos carros. Tudo certinho. Em 2012, eu achava que devíamos repetir o feito. A presidente da República era a Dilma Rousseff e o líder da Audi, o Leandro Radomile, que hoje é diretor-geral da Fruehauf, uma fabricante de implementos para caminhões, no México.
Chegou a hora. A comitiva oficial veio caminhando pelo corredor, como que escoltada por um grupo de jornalistas e fotógrafos, agitados como uma nuvem de gafanhotos, e parou no corredor voltada para o estande da GM e de costas para o da Audi, que ficava em frente ao da GM.
Fazia um calor desgraçado naquele dia dentro do Pavilhão do Anhembi. E o pessoal da Audi não perdoou: “Ela não vem. Você achou? Ficou louco?”
A presidente se preparava para entrar no estande, quando um estudante a parou para lhe mostrar um projeto. Foi a deixa que eu precisava. Me aproximei e, quando ela ia entrar na GM, perguntei: “Presidente, a senhora não vai visitar o nosso estande da Audi?” Ela me olhou e respondeu: “Vou, sim”. Pensei: deu certo!
Quando saiu da GM, porém, a comitiva com a Dilma à frente virou para a direita, em direção ao estande da Kia, que ficava um pouco mais distante. Desanimei. Entrei na sala ao fundo do estande da Audi e até tirei o paletó. Fazia um calor desgraçado naquele dia dentro do Pavilhão sem ar-condicionado do Anhembi. O pessoal da Audi não perdoou: “Ela não vem. Você achou? Ficou louco?”
Mas, de repente, vejo a comitiva que ia na direção da Volkswagen se desviar e ir se posicionando na direção do estande da Audi. A Dilma mudou o roteiro previsto. A delegação toda ficou atrapalhada, incluindo a nuvem de gafanhotos.
A presidente veio e, quando chegou, se dirigiu a mim: “Não falei pra você que eu vinha?” Eu, todo surpreso, falei alguma coisa do tipo ‘obrigado, presidente’, e já chamei o Radomile, que estava na comitiva, apresentei um ao outro, como se eles não se conhecessem, e ficamos os três, no meio daquela aglomeração de políticos, executivos, técnicos, secretários, seguranças, jornalistas e fotógrafos.
Eu pensava que a Dilma continuasse gentil da mesma forma que entrou no estande, mas não. Com o dedo em riste, apontando para o Radomile, disparou: “Vocês precisam fabricar no Brasil!”
Tomei um susto. Não estava esperando aquele começo de conversa. O Radomile, ao contrário, não se abalou e devolveu: “Nós (importadores) também geramos empregos!” Tomei outro susto e, impulsivamente, entrei na conversa: “Presidente, olha os nossos carros… Vamos entrar?” Acho que adiantou.
Ela parou do lado do Radomile, sorriu e falou: “São lindos esses carros, lindos…” Ufa!, respirei. “Mas não posso entrar porque estou visitando os estandes de marcas que fabricam no Brasil”, explicou a mandatária educadamente. E continuou seu roteiro sem caminhar pelo estande da Audi.
Assim que a presidente virou de costas, cheguei para o Radomile e pedi desculpas. “Desculpa? Como desculpa?”, ele respondeu. “Isso foi espetacular! Vou almoçar daqui a pouco com os diretores da Audi que vieram da Alemanha e vou expor isso a eles.” Aliviado, mas ainda sem entender direito o que estava acontecendo, voltei para a salinha com planos de não sair de lá tão cedo.
Só depois de me acalmar, compreendi por que o Radomile tinha aprovado minha iniciativa. Poucos dias antes do Salão de São Paulo, a direção da Audi na Alemanha havia anunciado que iria produzir o SUV Q5 no México, descartando voltar a fabricar carros no Brasil, o que ela já havia feito, entre 2000 e 2007, com o A3.
E, no dia da visita da Dilma, na abertura oficial do Salão, a má notícia foi capa da Folha de São Paulo. Por isso, a chefe do país reclamou. Para o Radomile, no entanto, foi bom porque ele usou o episódio para mostrar para a empresa que, se não fabricasse no Brasil, ela poderia ter dificuldades no mercado.
E, diante disso, a matriz decidiu rever seus planos e iniciar os estudos de um projeto para fazer um carro no Brasil, que foi o que aconteceu, tempos depois. A Audi acabou fazendo dois carros e não apenas um: o sedã A3 e o SUV Q3.
No final das contas, a saia justa no estande do Anhembi foi o primeiro passo para a Audi voltar a fabricar no Brasil. Só que naquele dia ninguém sabia aonde aquela conversa inesperada iria chegar.
Jornalista, trabalhou nove anos como repórter na QUATRO RODAS, dez anos como assessor do piloto Ayrton Senna
e 25 anos na Audi.