O dia 13 de março de 2020 foi minha última sexta-feira normal. Naquele dia, fui à última aula presencial na Universidade de São Paulo e ao último dia de escritório no meu primeiro estágio, em uma gravadora de rock.
Logo depois, veio a pandemia de Covid-19, anos caóticos e o acaso de um “novo normal” que me levaria à QUATRO RODAS – primeiro como estagiário e, alguns meses depois, como repórter. Também foi nesse 13 de março que o primeiro Tesla Model Y foi entregue.
Enquanto o planeta começava seu calvário, o SUV ganhava volume para fazer história: os números ainda não estão fechados, mas ele tende a ser o automóvel mais vendido do mundo em 2023.
É a primeira vez que um elétrico ocupa esse posto, roubado do Toyota Corolla.
Parece que aprendemos sobre lockdown e Sars-CoV-2 há mil anos. Mas essa distorção temporal também vale para os carros elétricos, que, globalmente, superarão os 10 milhões unidades vendidas neste ano – crescimento superior a 400% se comparado com 2020.
Como outras tecnologias revolucionárias, os EVs engatinharam por muito tempo até começarem a decolar. As dificuldades de fabricar veículos aos milhões explicam por que essa indústria é dominada por marcas centenárias, que trabalham com máxima previsibilidade. É uma revolução que jamais ocorreria sem muitas pressões externas.
Primeiro, Elon Musk teve um de seus grandes acertos e, em 2009, quando basicamente não existiam elétricos à venda no mercado, lançou o Tesla Roadster.
É provável que, em 31 de dezembro, o Model Y tenha superado a marca de 1 milhão de unidades vendidas no ano. É um feito exclusivo de Ford Model T, Toyota Corolla e Volkswagen Fusca
Nos anos seguintes, Musk persistiu e provou aos gigantes que o desafio era possível, derrubando uma velha desculpa. Além disso, constatamos a emergência climática em sua real magnitude: os transportes estão em segundo lugar entre os maiores emissores de gases do efeito estufa e, como sempre ressalto para amigos nos meus 20 e poucos anos, transporte público é útil para metrópoles, mas os carros seguirão indispensáveis no “mundão”.
Lado bom: os automóveis existirão por muito tempo ainda. Lado (possivelmente) ruim: se você não gosta de elétricos, é bom se acostumar.
Com tudo acontecendo ao mesmo tempo, a transição é difícil de fato. Os elétricos são mais caros, mas governos entenderam que subsídios não eram gastos, e sim investimentos na sobrevivência. Agora países ricos começam a assumir sua responsabilidade maior na poluição e a ajudar os mais pobres nessa mudança.
Afinal de contas, o aquecimento global não respeita fronteiras e a salvação só vem coletiva e forçadamente – nesse caso, incluindo leis que fixam regras cada vez mais rígidas de emissões. Com a realidade posta, as montadoras centenárias sacaram que, quanto antes gastassem parte do “suado” lucro dos acionistas em Pesquisa & Desenvolvimento, melhor. Quem adiar a prova de adaptação às novas energias pagará a conta com juros (ou com a falência).
Por ter largado na frente, agora a Tesla surfa na onda: o Model Y agrada por ser um SUV com boa performance, aproveita enquanto os subsídios não acabam e teve sua fabricação priorizada ao máximo. Musk sacou a oportunidade e ainda deu descontos agressivos ao utilitário, capturando imensa parcela do segmento na Europa e China.
É provável que, em 31 de dezembro, o Model Y tenha superado a marca de 1 milhão de unidades
vendidas no ano. Até então, um feito exclusivo do Corolla, Ford Model T e Volkswagen Fusca, dando a dimensão do que isso representa. Mas a transição energética deve estar completa só daqui a uns 20 anos, então muita coisa mudará.
Enquanto isso, ainda aprendemos a produzir baterias que poluem menos, sejam mais baratas e tenham mais autonomia. Também descobriremos como lançar elétricos que atendam a pessoas com muito menos que os US$ 40.000 de um Model Y básico.
Tal como as vacinas, que vieram em tempo recorde, a perseverança humana deve funcionar, e os próximos cinco anos prometem avanços gigantes nesses aspectos. E o mesmo vale para a origem da eletricidade em si, um aspecto no qual o Brasil já faz bonito e também pode
fazer bastante dinheiro.
Todavia, é bom que a Tesla não relaxe na liderança e aprenda com suas próprias reviravoltas. Há alguns anos, Musk era aclamado pelos progressistas da Califórnia dada sua aposta nos elétricos; agora o bilionário se aventura no Twitter e em pautas que atraíram o extremo oposto no espectro político.
Seu foco difuso e o gosto pela polarização, inclusive, levaram à queda intensa nas ações da marca, cuja imagem
é extremamente atrelada ao “pai”. Também chegou, com muito atraso, a picape Cybertruck, que largou o mantra de eficiência e abraçou uma excentricidade extrema, que pode atrapalhar a capacidade produtiva enxuta da Tesla.
Já os chineses não param de avançar no mundo e principalmente em casa, onde entendem os consumidores como ninguém. E não descarte a reinvenção das marcas tradicionais de EUA, Europa e Ásia, cuja expertise jamais pode ser descartada.
Ainda estamos no início de uma corrida longa e recheada de externalidades. Ainda veremos gigantes caindo, novatas crescendo e um rearranjo intenso na indústria mais consolidada e concentrada da Terra. Acompanhar pessoalmente a importância histórica desse momento, inclusive, é o que mais gosto no meu trabalho na QUATRO RODAS.
A única certeza é que, em 2024, os elétricos venderão muito mais que em 2023. Em 2025, muito mais que em 2024 e assim por diante. Para desespero dos CEOs, a previsibilidade não existe nesse futuro. Sorte é nossa, pois o ser humano ainda não perdeu a capacidade de evoluir quando pressionado.