Os dois modelos apresentados aqui são concorrentes de longa data, mas estão em momentos do ciclo de vida diferentes.
O Citroën C3 estreou a nova geração recentemente e, além de mudar bastante em design e tecnologia, assumiu atributos de carro de entrada. Isso quer dizer que abandonou a postura de modelo premium para tornar-se mais popular – se é que ainda podemos usar essa nomenclatura num período em que os zero-km custam mais de R$ 70.000 (54 salários mínimos).
Já o Stepway (que perdeu o nome Sandero, em 2019) surgiu no Brasil em 2008, ganhou uma nova geração em 2014 e desde então só passou por um facelift, em 2016. E a ausência de uma nova geração ou mudança nos últimos seis anos tem uma explicação: a Renault anunciou que ele não terá sucessor. A previsão é de que seja vendido, no máximo, até 2024.
Um novo SUV compacto deve assumir de uma vez só o lugar de Stepway, Sandero e Logan.
Mesmo assim, o Stepway alinhado aqui é equipado com o motor flex 1.0 SCe tricilíndrico e essa configuração é nova: estreou no início de outubro de 2022 e é vendida em versão única (Zen), que custa R$ 77.990. E ela já chegou para marcar a despedida do nome e modelo Sandero, substituindo o Sandero S Edition 1.0.
No caso do C3, a versão convocada foi a intermediária, Feel, também com motor 1.0 de três cilindros. Ela é R$ 3.500 mais cara, mas traz itens exclusivos, como rodas de liga leve de 15” e vidros elétricos traseiros. Os motores têm os mesmos deslocamentos (999 cm³) e número de cilindros: três. E as semelhanças param por aí.
O Citroën usa o 1.0 Firefly, que equipa outros modelos do grupo Stellantis, como Fiat Argo e Cronos e Peugeot 208. E sua principal característica é ter duas válvulas por cilindro (seis no total), em vez de quatro, como é comum em outros motores três-cilindros e é o caso do motor 1.0 SCe do Stepway, que tem 12 válvulas.
Esse atributo faz com que a motorização do C3 trabalhe sempre perto de 2.000 giros – oferecendo redução no consumo de combustível. E isso foi comprovado em nossa pista. O C3 1.0 é mais econômico que o Stepway. Na cidade, rodou 14,1 km/l e, na estrada, 15,8 km/l, enquanto o Renault fez, respectivamente, 13,2 km/l e 14,6 km/l (rodando com gasolina).
No desempenho, o Citroën levou a melhor nas acelerações: fez de 0 a 100 km/h em 16,4 segundos, contra 17,2 segundos do rival. E a explicação para isso está em pequenas diferenças a seu favor. Seu torque, ligeiramente maior, chega em um regime menor. E ele pesa um pouco menos. Enquanto o Stepway gera 10,5/10,2 kgfm a 3.500 rpm e pesa 1.061 kg, o C3 rende 10,7/10 kgfm a 3.250 rpm e pesa 1.056 kg.
Comportamento dinâmico
Porém, seu câmbio mais longo, com foco na economia de combustível, interferiu nas retomadas de velocidade, especialmente em ambiente rodoviário. Ele cumpriu de 80 km/h a 120 km/h em intermináveis 39,3 segundos – já o Stepway fez a mesma prova bem mais rápido em 30,5 s.
Outro contraste: era esperado que o fato de o Firefly trabalhar boa parte do tempo perto dos 2.000 rpm tornasse seu funcionamento menos ruidoso, mas na prática não é isso que acontece. Em todas as nossas provas de ruído, seu barulho invadiu mais a cabine do C3 do que o motor SCe, no Stepway. Em ponto morto, emitiu 46,1 dBA, contra 43,9 dBA e a 80 km/h, 69,9 dBA, ante 65,9 dBA do concorrente. Nas medições, existe participação dos materiais de isolamento. Mas, independentemente disso, o Firefly se mostrou mais ruidoso.
Ao volante a experiência é tão diferente que em um primeiro contato é possível acreditar que os dois nem pertencem ao mesmo segmento.
No Sandero, a posição de dirigir é típica de hatch compacto. O assento do motorista é mais baixo e ele senta mais próximo ao solo. Já no C3 a posição se assemelha com a de um SUV. Essa direção elevada pode não agradar a alguns mais puristas, mas facilita a visibilidade e a ergonomia.
O bom acerto de suspensão do Citroën (McPherson, na dianteira, e eixo de torção, na traseira,) garante uma dinâmica ímpar no segmento, resultando em uma dirigibilidade confortável e, ao mesmo tempo, esportiva (guardadas as proporções).
A estabilidade também é uma característica do Stepway, que é equipado com o mesmo conjunto de suspensão do rival e oferece um resultado competente ao filtrar as imperfeições do piso ao mesmo tempo que segura a carroceria nas curvas.
A pena é que, nessa configuração 1.0, o Stepway perdeu um de seus principais benefícios de seu viés aventureiro. A carroceria não é elevada em 4,5 cm como acontece com a versão com motor 1.6. Isso faz com que tenha um vão livre do solo de apenas 14 cm, enquanto o C3 tem consideráveis 22,1 cm. Possibilitando que o Citroën possa enfrentar estradas de terra e mesmo os buracos do asfalto com bem mais desenvoltura que o Stepway.
Vida a bordo
Ter um projeto mais novo traz benefícios ao C3, que exibe estilo mais atual e acabamento mais bem executado, graças às novas tecnologias disponíveis, com direito a uma peça plástica com textura em azul e suporte para o celular no console central, como exemplos. Embora o acabamento seja todo de plástico rígido, na unidade avaliada as peças estavam todas bem encaixadas e havia poucas rebarbas em algumas partes.
A central multimídia do Citroën tem bom tamanho, 10”, e traz conexão com Apple CarPlay e Android Auto sem fio. A interação é intuitiva, mas os grafismos (contrariando as expectativas) são antiquados. Mas o que mais decepcionou no interior do C3 foi o quadro de instrumentos, que tem uma tela monocromática que mais parece um simples computador de bordo, e não há nem conta-giros. Nesse quesito, o Stepway ganha pontos por oferecer os bons e velhos mostradores analógicos que fazem mais sentido com a proposta de baixo custo da categoria.
Mas a vantagem do Stepway em relação ao C3, no que diz respeito à vida a bordo, para por aí; pois o acabamento escuro e a falta de variação de texturas e materiais entrega a idade do modelo. E esse estilo simples e antiquado está presente em tudo. A central multimídia tem tela de apenas 7” e está posicionada no meio do console central, o que não facilita o uso. E o espelhamento com smartphones só acontece por cabo, sendo que a entrada USB fica na parte superior da tela, deixando o fio pendurado (o que dificulta o acesso ao console). E não há suporte para celular.
Na oferta de espaço, deu empate. Afinal, o entre-eixos do C3 é de 254 cm e do Stepway de 259 cm. Mas o espaço para pernas no Citroën é ligeiramente maior, com 97 cm na primeira fileira e 87 cm na segunda, contra, respectivamente, 96,5 cm e 85 cm, do Renault. Para compensar, o porta-malas do Stepway é ligeiramente maior, com 320 litros, e o do C3 tem 315 litros.
De qualquer maneira, os dois modelos surpreendem por oferecer um bom espaço para passageiros e carga em um segmento que espaço é a principal deficiência. Quem procura espaço em um hatch compacto deve considerar esses dois.
Equipamentos de série
Mas, conforme já destacamos, o objetivo deste comparativo é eleger o compacto de entrada com o melhor custo/benefício. E, levando-se isso em conta, o C3 Feel 1.0 é o mais caro. Custa R$ 81.490. Mas consegue justificar a diferença de R$ 3.500 em relação ao Stepway (R$ 77.990), pois é mais bem equipado.
Oferece rodas de liga leve, multimídia maior com conexão sem fio, controle de tração e estabilidade, assistente de partida em rampa, monitoramento da pressão dos pneus e vidros elétricos e duas entradas USB para os passageiros traseiros.
O Stepway traz apenas uma vantagem em conteúdo, que é oferecer quatro airbags (frontais e laterais), enquanto o C3 traz apenas os dois frontais obrigatórios.
No conjunto da obra, o C3 ganha esse comparativo por ser mais equipado, ter motor com melhor desempenho e consumo, por oferecer uma vida a bordo mais agradável e conectada para todos os ocupantes e também pelo melhor conteúdo.
Veredicto
O Citroën C3 Feel 1.0 levou vantagem em praticamente todos os quesitos, em especial no consumo de combustível, conteúdo e dirigibilidade, segurança e vida a bordo.
Ficha Técnica
Citroën C3 Feel 1.0
Motor: flex, diant., transv., 3 cil., 6V, 999 cm³, 75/71 cv a 6.000 rpm, 10,7/10 kgfm a 3.250 rpm
Câmbio: manual, 5 marchas, tração dianteira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.) e tambor (tras.)
Pneus: 195/65 R15
Peso: 1.056 kg
Dimensões: compr., 398,1 cm; larg., 173,3 cm; alt., 158,6 cm; entre-eixos, 254 cm; porta-malas, 315 l
Renault Stepway 1.0
Motor: flex, diant., transv., 3 cil., 12V, 999 cm³, 82/79 cv a 6.300 rpm, 10,5/10,2 kgfm a 3.500 rpm
Câmbio: manual, 5 marchas, tração dianteira
Direção: elétrico-hidráulica
Suspensão: McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.), tambor (tras.)
Pneus: 185/65 R15
Peso: 1.061 kg
Dimensões: compr., 407 cm; larg., 173 cm; alt., 163; entre-eixos, 259 cm; porta-malas, 320 l
Teste Comparativo Quatro Rodas
Aceleração | C3 | Stepway |
0 a 100 km/h | 16,4 s | 17,2 s |
0 a 1.000 m | 37,9 s – 132,9 km/h | 38,2 s – 132,8 km/h |
Velocidade Máxima | – | – |
Retomadas | ||
3ª 40 a 80 km/h | 9,4 s | 9,8 s |
4ª 60 a 100 km/h | 14,9 s | 14,5 s |
5ª 80 a 120 km/h | 39,3 s | 30,5 s |
Frenagens | ||
60/80/120 km/h a 0 | 14/25,2/57,7 m | 14,5/25,8/59,3 m |
Consumo | ||
Urbano | 14,1 km/l | 13,2 km/l |
Rodoviário | 15,8 km/l | 14,6 km/l |
Ruído Interno | ||
Neutro/RPM máx. | 46,1/71,8 dBA | 43,9/69,5 dBA |
80/120 km/h | 69,9/73,6 dBA | 65,9/72,1 dBA |
Aferição | ||
Velocidade real a 100 km/h | 93 km/h | 97 km/h |
Rotação do motor a 100 km/h em 5ª marcha | – | 3.250 rpm |
Volante | 3 voltas | 2,7 voltas |
Seu bolso | ||
Preço | R$ 81.490 | R$ 77.990 |
Concessionárias | 122 | 295 |
Garantia | 3 anos | 3 anos |
Condições de teste (c3/Stepway): altitude; 660 m; temperatura; 23,5 °C/24 °C; umidade relativa; 74%/76%; pressão atmosférica (kPA); 1.012,5 mmHg