Impressões: novo Ford GT é superesportivo nascido em berço esplêndido
O novo Ford GT aproveitou a experiência herdada das vitórias em corridas para fazer um dos mais incríveis esportivos já produzidos
Entro numa sala cheia de fotos do GT40 nas 24 Horas de Le Mans, inclusive a histórica vitória tripla de 1966. É o começo de uma imersão para entender o que é o novo Ford GT.
O responsável pelo projeto, Jamal Hameedi, explica como tudo começou: “Trabalhei no GT de 2004 e fui o engenheiro-chefe dessa nova geração. Então minha vida está ligada a este carro nos últimos 12 anos. Nesse tempo, muitos me perguntavam a mesma coisa: quando vão fazer um novo GT e quando vão voltar a Le Mans?”.
A resposta é o carro que eu estou prestes a dirigir em Utah (EUA) e que custa hoje US$ 450.000 (R$ 1,4 milhão) nos EUA e que na Europa chegará por uns 600.000 euros (R$ 2,1 milhão).
Ao olhar para o GT, é evidente que o estilo conserva a genética dos dois primeiros modelos. “Queríamos algo que não fosse exagerado, que parecesse sério e ameaçador, além de uma beleza de cair o queixo. Acho que fomos bem-sucedidos”, gaba-se o designer Craig Metros.
Tudo foi guiado pelo túnel de vento. Ele definiu a dianteira estreita e baixa, e posicionou motorista e passageiro muito perto um do outro. Já os engenheiros queriam o motor mais à frente possível. Essas duas diretrizes moldaram a forma do GT.
Aliás, a aerodinâmica é tudo aqui (afinal, ele nasceu para Le Mans). A asa traseira inclina-se e fica mais longa (pode até frear o carro) e o segmento que liga o teto ao para-lama traseiro tanto faz o ar escoar mais rapidamente como melhora a estabilidade direcional em alta velocidade.
Toda a carroceria é de fibra de carbono, o que reduziu peso e ajudou os designers a chegar às formas finais, que seriam difíceis de moldar com outros materiais. Por isso, ele tem 1.385 kg (menos que um Jeep Renegade), perdendo só para a referência do segmento, o McLaren 720S, com 1.283 kg.
Até o painel de bordo é todo de carbono, pois está incorporado ao monocoque (célula de sobrevivência), também feito do mesmo material. Aliás, no monocoque está presa a base dos bancos, que não se deslocam.
Como nos carros de corrida, o assento não avança ou recua: são os elementos à sua volta que se movem, como os pedais e a direção. Também das pistas veio o volante que concentra os comandos, ficando de fora só os ajustes de ventilação (à direita da central multimídia) e dos faróis (à esquerda da direção).
No volante, há um comando rotativo para escolher um dos cinco modos de uso – Normal, Wet, Sport, Track e V-Max, este último pensado para rodovias alemãs ou velocidade máxima, com a suspensão e a asa traseira na posição mais baixa.
A altura ao solo no modo Normal é de 12 cm, descendo para 7 cm no Track. Assim, o GT fica praticamente tão baixo como o carro de corrida (5,7 cm à frente e 6,5 cm atrás). Essa mesma função pode elevar o nariz do carro até 17 cm, para sair de garagens ou passar em asfaltos esburacados.
Hameedi se orgulha de dizer que este carro tem coisas que não há em nenhum outro no mundo. “Como a estrutura tubular em aço em volta do cockpit, que funciona como gaiola de proteção num capotamento (aprovado para corridas pela FIA).”
A suspensão do GT é do tipo push-rod, como nos carros de competição, com um sistema que altera a altura e a rigidez. Mesmo na posição mais baixa, a Ford diz que é possível ter o nível de amortecimento mais confortável.
O sistema push-rod permitiu ainda deslocar a suspensão para dentro do carro e liberar a região das rodas para ajudar na refrigeração e aerodinâmica.
A grande quebra da tradição do GT, porém, está na motorização. O antigo V8 de 5,4 litros deu lugar ao V6 EcoBoost de 3,5 litros. Curiosamente, os dois motores são originados de picapes: o V6 biturbo veio da F-150 Raptor. No Ford GT de 2004, o motor também era de uma picape, um V8 de 550 cv que equipava as F-Series.
Apesar da redução, a potência subiu de 550 para 655 cv e o torque, de 69,1 para 76 mkgf, fruto da maior sofisticação tecnológica.
Agora há injeção direta e indireta e dois turbos em vez de apenas injeção indireta e compressor como no modelo de 2004. O resultado em números impressiona: 0 a 96 km/h em 2,9 segundos e 347 km/h de velocidade máxima.
Mas como será que todo esse aparato técnico funciona sobre o asfalto? Começo entrando no cockpit com um pouco de contorcionismo, já que bancos e teto são bem baixos.
Me acomodo para a ajustar a posição de pilotagem, num ambiente escuro todo dominado por fibra de carbono e Alcantara.
Empurro o pedal de apoio para trazer os pedais móveis para perto, ajusto altura e profundidade da direção. O interior é tão estreito que meu ombro quase toca no do passageiro.
Olhares atentos notarão falta de qualidade em alguns acabamentos, materiais e peças do interior, difíceis de aceitar num carro desse preço.
Pressiono um botão e o V6 desperta de forma tranquila, sem o pico de giro momentâneo como vemos em outros supercarros.
Nos primeiros quilômetros de uso já se nota que este é um carro de corridas na sua essência: sinto os pedriscos do asfalto batendo sob o assoalho e nas caixas de rodas de modo não filtrado e com som típico dos veículos de competição, o que cria uma atmosfera especial a bordo.
Já na estrada, o GT mostra-se um carro muito rápido, com acelerações e retomadas bem progressivas – quase não se sente atraso de resposta do turbo.
Nota-se um pouco as trocas do câmbio de dupla embreagem e de sete marchas, da Getrag (o mesmo do Mercedes AMG GT e das Ferrari). No modo automático, ele tende a avançar a marcha mais cedo do que eu gostaria.
Então coloco no manual e o GT reage com uma resposta muito rápida e precisa da direção (hidráulica), comportamento marcado pela enorme estabilidade e uma capacidade de frear que, de tão forte, obriga você a se reprogramar. Em mais de uma vez o carro quase parou de vez antes da curva só porque freei demais.
Enfrento uns 5 km de asfalto ondulado nos arredores de Salt Lake City e logo se percebe que o GT está fora do seu ambiente, já que ele deixa passar para os ocupantes um pouco de trepidação, mesmo no ajuste mais suave.
Enfim, é a hora da verdade, já dentro do circuito Utah Motorsport. Passo para o modo Track (e a todo ajuste de altura, ouço o mesmo “clanc” pesado), o carro cai 5 cm e eu me preparo para uma série de oito voltas.
Nas primeiras, nem sequer cheguei perto do potencial do GT, que depois revelou um equilíbrio perfeito entre chassi, direção e frenagem. É evidente a sensacional capacidade de aderência da dianteira, uma consequência direta do efeito de solo que é gerado pelas saídas de ar na dianteira do veículo.
Após as oito voltas, não há mais dúvidas de onde veio o DNA do novo Ford GT. Ele não se sente à vontade em uma avenida, onde revela um acabamento meio simplista, o excesso de ruído e um modo cru de filtrar o asfalto.
Mas num circuito é incomparável, com inacreditável capacidade de frenagem e um eixo dianteiro com níveis de aderência quase inverossímeis. Sim, é nas pistas que ele se sente em casa. Como seu avô.
Campeão em Le Mans no passado e agora
O momento não poderia ser mais apropriado para um novo GT. No ano passado, estreou nas 24 Horas de Le Mans, onde venceu de forma inquestionável: 1º, 3º e 4º lugar na sua classe.
E nesse ano celebrou os 50 anos da epopeia de Le Mans, dois anos depois do lançamento comercial do modelo original. O GT40 entrou para a história em 1966 ao massacrar a Ferrari ao conquistar os três lugares do pódio. Curiosamente, desde então a marca italiana nunca mais venceu a prova.
Para o recente regresso às 24 Horas, a Ford até tentou usar o Mustang (que comemorava na época meio século de vida), mas teria de mexer muito na mecânica e na aerodinâmica para enquadrá-lo nas regras.
Faria mais sentido, então, apostar no GT – e daí nasceu o projeto Fênix. Pela primeira vez na Ford, o modelo de corrida e o de rua foram desenvolvidos em paralelo.
Para aumentar a pressão, a equipe tinha de correr para entregar dois carros aos clientes até o fim de 2016 para cumprir o regulamento, senão teriam de devolver o prêmio de Le Mans, que aliás foi conquistado no primeiro ano de projeto. Façanha que nem mesmo o GT40 conseguiu.
Veredicto
O novo Ford GT é um carro de corrida travestido de esportivo de rua: visceral, meio barulhento e com um nível de aderência e frenagem quase inacreditável.
Ficha técnica – Ford GT
- Preço: US$ 450.000 nos EUA, 650 euros (estimado) na Europa
- Motor: central longitud., V6, 24V, injeção direta e indireta, biturbo, 3.497 cm3, 92,51 x 86,7 mm, 9,0:1, 655 cv a 6.250 rpm, 75,97 mkgf a 5.900 rpm
- Câmbio: automatizado de dupla embreagem, 7 marchas, tração traseira
- Suspensão: push-rod nas 4 rodas com amortecedores eletrônicos
- Freios: discos ventilados perfurados carbocerâmicos nas 4 rodas
- Direção: hidráulica
- Pneus: 245/35 R20 (diant.) e 325/30 R20 (tras.)
- Dimensões: comprimento, 476,2 cm; altura, 111 a 105,9 cm; largura, 211,3 cm; entre-eixos, 270 cm; peso, 1.385 kg; porta-malas, 11 litros; tanque 57,5 litros
- Desempenho: 0 a 96 km/h em 2,9 s, vel. máx., 347 km/h (dados de fábrica)