Impressões: novo Citroën C3 1.0 economiza em quase tudo, exceto no espaço
Citroën C3 com motor 1.0 chega para popularizar a marca francesa com muito estilo e praticidade, mas peca na economia de airbags
Com cada vez mais indícios de que estamos na era de ouro dos SUVs, tudo que puder ser associado a esse tipo carroceria provavelmente será. A estratégia de marketing de alguns modelos, como a do Renault Kwid, força bem essa ideia, mas a Citroën pode se permitir nesse aspecto: de fato o novo Citroën C3 se parece muito com um SUV compacto. Por dentro e por fora.
Se as massas clamam por um utilitário esportivo, poderão ter o gostinho a partir de R$ 68.990, preço do C3 Live 1.0. A versão dirigida por QUATRO RODAS, entretanto, é a C3 Feel 1.0, que, por R$ 74.990, adiciona central multimídia, ajuste de altura do banco do motorista, desembaçador, rodas de liga e barras longitudinais no teto. Ao mesmo tempo, ela mantém o motor 1.0 Firefly de 75 cv (mesmo do Fiat Argo), exclusivamente com câmbio manual.
Marca popular
O novo Citroën C3 faz parte de um plano maior, que busca ampliar bastante a presença da montadora francesa no Brasil. Como ela agora é parte da gigante Stellantis, a missão fica mais fácil ou mais difícil, dependendo do aspecto.
Foi mais complicada, por exemplo, a missão de posicionar o novo C3 com o mínimo de concorrência interna. Ela ainda ocorrerá com o Fiat Mobi e o Peugeot 208, entretanto, mas mais pelo preço do que pela proposta.
Afinal de contas, mesmo os modelos mais acessíveis do C3 têm apelo estético surpreendente, com dianteira que aproveita elementos de parentes europeus. Das luzes diurnas em Y ao emblema da Citroën embutido na grade dianteira, há detalhes que volta e meia remetem ao C5 do Velho Continente, entre outros.
A ousadia é quase obrigatória, afinal de contas o modelo tem missão de ser “cool”. Isto é, um carro descolado como seus potenciais compradores: jovens que estão formando família ou até mesmo aqueles que ganharão o carro dos pais. Completando o look moderno, o C3 testado se vale não apenas dos aspecto “cubista” na carroceria — que sem dúvidas se destaca pelas proporções incomuns — mas também do teto preto.
Dirigindo de cima
Visto de perfil, o novo modelo pode lembrar até o Jeep Renegade, com dianteira verticalmente alongada e para-brisa mais vertical. Mas os condutores sentirão vantagem frente a outros hatches principalmente na condução em ruas acidentadas: com maior ângulo de saída e entrada frente aos seus concorrentes confessos (Hyundai HB20, Volkswagen Gol e Chevrolet Onix), o C3 tende a superar as vias brasileiras sem “raspões”.
Os ocupantes também aproveitam uma posição bem elevada dos assentos, possibilitada pelos 1,58 m de altura; um detalhe que faz muito mais diferença do que parece e traz uma sensação de condução próxima dos utilitários esportivos.
Mas o lado negativo disso está no “sacolejo”: o movimento lateral da carroceria é acima do confortável, e a maior altura frente ao solo amplifica o problema. Desse modo, o C3 é valente ao passar por lombadas ou ruas íngremes, mas não encara uma rotária, por exemplo, sem que os ocupantes se inclinem de modo incômodo.
Em compensação, o câmbio manual de cinco velocidades também está bem ajustado, e desde a primeira marcha o compacto se movimenta com agilidade satisfatória. Os pedais também foram bem calibrados, com o pé leve sendo suficiente para trocar de marcha sem trancos. Esses aspectos fazem com que, em geral, o hatch seja um bom veículo urbano, com espaço interno, à frente e atrás.
Na estrada, a demora do motor 1.0 aspirado (75 cv/10,7 kgfm) em ganhar velocidade fica evidente, principalmente nas retomadas em alta (uma ultrapassagem em pista simples é bom exemplo disso). Por outro lado, a última marcha alongada permite velocidade acima de 100 km/h com pouco ruído e sem prejuízo no consumo: com gasolina, são 12,9 km/l na cidade e 14,1 km/l na estrada.
Pecados visíveis
Apesar da competência em todos esses aspectos, o Citroën C3 também tem suas falhas; quase todas ligadas à economia de custos. Isso fica mais evidente por dentro, onde quase todo o acabamento é em plástico simples e o quadro de instrumentos sequer tem conta-giros, se resumindo a um computador de bordo que exibe dados básicos como a velocidade.
Um quadro analógico provavelmente seria mais harmônico visualmente, dado que um mostrador digital, por si, não consegue transmitir automaticamente uma sensação de modernidade. De fato, neste caso o efeito parece ser até o contrário.
No lado do carona até há uma peça plástica texturizada que quebra a simplicidade, mas o melhor atributo acaba sendo a central multimídia, com tamanho e resolução acima da média. Mas não há perfeição: o suporte a Android Auto e Apple Carplay sem fio não vem junto do carregamento por indução, o que nos leva ao uso do cabo USB da mesma forma.
Além disso, o comando de volume do som só pode ser feito pelo volante ou pela própria tela, atrapalhando o uso. E, ainda mais incômodos, são os comandos dos vidros traseiros, que ficam no console central, antes do freio de mão. “É mais barato, já que gasta-se menos com chicotes elétricos”, disse uma fonte da marca.
Durante o desenvolvimento do Citroën C3, recebemos informações internas detalhando uma insatisfação da parte brasileira do projeto, que considerava os níveis de segurança buscados pelos colegas da Índia insuficientes.
Após vários atrasos, discussões e crash tests feitos em Minas Gerais, entretanto, o diretor de Desenvolvimento de Produtos da Stellantis, Márcio Tonani, acredita que o resultado é satisfatório e nega qualquer prejuízo na segurança do carro. Os fatos sugerem o contrário: enquanto HB20 e Onix já têm meia dúzia de airbags de série, nem mesmo o C3 topo de linha vai além de dois, o mínimo exigido pela lei.
Baixo custo das peças, por outro, permite que o custo de uma eventual batida seja menor do que em concorrentes
Contrastes da juventude
Para quem tem segurança como prioridade, ter mais airbags são aspecto muito importante, principalmente em caso de acidentes a velocidade elevadas, em rodovias. Na cidade, onde batidas sutis são mais comuns, por outro lado, a montadora afirma que não haverá dor sequer no bolso.
Isso porque os para-choques foram desenhados para minimizar os custos de uma eventual colisão e consertar a traseira de um C3 batido pode ser 37% mais barato do que a concorrência, afirma a francesa. Na dianteira, a economia pode chegar a 47%.
O seguro barato é uma consequência de um atenção especial ao pós-venda (que busca “limpar” o preconceito dos brasileiros com supostos problemas de carros franceses). E esse é só um dos aspectos que pretendem fazer a Citroën algo palatável aos mais jovens, cada vez menos atraídos pela experiência de “perder tempo” cuidando do seu automóvel.
Outras iniciativas nessa direção envolvem até o uso de videochamadas pelos mecânicos da rede, que poderão manter contato com o cliente de dentro da oficina. O custo das três primeiras revisões também promete ser o mais barato da categoria, assim como outras peças de reposição: somadas, as manutenções periódicas até os 30.000 km não passarão de R$ 1.436.
Veredicto
Quase uma metáfora do jovem que pretende atrair, o Citroën C3 1.0 sem dúvidas se destaca pela aparência externa e por valorizar cada centavo investido, ainda que, por dentro, seja mais simplório do que parece. A nova estratégia da marca também cria expectativas de uma propriedade simples e barata do modelo, mas, sem dúvidas, a prioridade da economia de custos frente à segurança quebra um pouco da paixão adolescente que o compacto pode despertar.
Ficha técnica – Citroën C3 Feel 1.0
Motor: flex, diant., transv.; 3 cil., 6V, 999 cm3; 75/71 cv a 6.000 rpm; 10,0/10,7 kgfm a 4.250 rpm
Câmbio: manual, 5 marchas, tração dianteira
Direção: elétrica, diâm. giro, 10,5 m
Suspensão: McPherson (diant.), eixo de torção (tras.)
Freios: disco (diant.), tambor (tras.)
Pneus: 195/60 R15
Dimensões: comprimento, 398,1 cm; largura, 173,3 cm; altura, 160,5 cm; entre-eixos, 254 cm; peso, 1.152 kg; porta-malas, 315 l