Desmonte: Caoa Chery Tiggo 5X revela surpresas boas e ruins aos 60.000 km
Primeiro Caoa Chery no Longa Duração, o Tiggo 5X mostra como se saiu após o teste de 60.000 km
Desde o nosso primeiro contato, ainda na China, o Tiggo 5X se apresentou promissor. Bem equipado, com bom espaço e silencioso, se mostrou capaz de ajudar a Caoa a construir uma nova imagem da Chery no Brasil.
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Agora, desmontado após ter rodado 60.000 km, é hora de conferir a integridade mecânica do SUV montado em Anápolis (GO) e atestar se o serviço da rede de concessionárias foi prestado corretamente.
A expectativa por esse momento foi grande. Não por ser um carro com projeto chinês, pois já havíamos notado um enorme salto de qualidade do famigerado Effa M100 (que não concluiu o teste) para o JAC J3, que surpreendeu no desmonte. Mas pela oportunidade de conhecer mais a fundo os carros da Chery e seus processos construtivos.
Comprado em junho de 2019 por R$ 95.000 (R$ 104.580, se corrigido pelo IPCA), nosso Tiggo 5X TXS concluiu o teste avaliado por até R$ 82.000 em concessionárias Caoa Chery. Difícil seria bancar a troca em um zero-km equivalente, que custa, hoje, R$ 122.990.
Um fato é que, do ponto de vista mecânico, o convívio com o Caoa Chery Tiggo 5X foi relativamente tranquilo. Não houve quebra, a não ser a do para-brisa, vitimado por uma pedra aos 29.145 km.
Em garantia, fizeram a troca das duas molduras dos faróis de neblina – apenas uma estava com a pintura descascada, mas a concessionária D21 instalou duas novas para não ter diferença na coloração – e do retrovisor interno, pois a função antiofuscante não funcionava. Até mesmo os pneus, Michelin Primacy 3, resistiram bravamente com dois furos no histórico (sempre no traseiro esquerdo) e com borracha para rodar, pelo menos, mais 10.000 km.
Por outro lado, o diário de bordo tem registrado as pequenas ocorrências e as percepções dos 19 motoristas que revezaram na direção do Tiggo 5X. Muitas anotações sobre o comportamento da transmissão, da qual falaremos mais adiante, mas também apontamentos sobre a central multimídia (sobre a interface confusa, travamentos no uso do Apple CarPlay, do espelhamento de Android, cujo aplicativo deixou de funcionar), lâmpadas dianteiras queimadas (faróis baixos e neblinas dos dois lados) e sobre o comportamento da suspensão.
Características do carro também foram destacadas, como a falta de indicação da velocidade ao ativar o piloto automático ou ter de ligar a função auto-hold do freio de estacionamento e o compressor do ar-condicionado a cada nova partida do motor. O ar-condicionado é digital, mas não automático: não é possível definir uma temperatura.
O motor, por si só, agradou. O 1.5 Acteco com turbo e injeção multiponto flex entrega até 150 cv e 21,4 kgfm – em uma faixa de preço onde ainda há motores 1.8 e 2.0 aspirados, ou 1.0 turbo, eventualmente com injeção direta –, números que se mostraram adequados para seus 1.424 kg (menos que os 1.448 kg de um Jeep Renegade 1.8 flex).
Quando o câmbio permitiu, o motor conseguiu entregar um bom desempenho. Só não foi tão econômico quanto seus concorrentes: a média dos 60.000 km foi 8,9 km/l, sempre com gasolina.
Respiração forçada
O motor recebe atenção especial no desmonte, mas só depois de uma breve rodagem para obtenção das impressões derradeiras e para colocar os sistemas em temperatura de trabalho. Antes de soltar os parafusos, nosso consultor, Fábio Fukuda, faz as medições estáticas.
Para as pressões de óleo, a Caoa Chery indica como nominais, respectivamente, acima de 0,7 bar em marcha lenta e acima de 2,5 bar a 3.500 rpm. Aos 60.000 km, nosso carro apresentou 1 e 3 bar para a pressão do óleo. Na linha de combustível, medidos 410 kPa, pouco abaixo dos 420 kPa indicados pela fabricante.
Com a pressão de compressão dos cilindros, um dos principais indicativos da saúde de um motor, tudo certo. O material técnico da fabricante estipula 10 bar como nominal e 7 bar como mínima tolerada, sem estipular a diferença entre os cilindros. Por padrão, são feitas três medições em cada cilindro.
Os cilindros 2 e 3 mostraram médias de 9,83 e 9,66 bar, com 10,33 bar no cilindro 1 e 10 bar no cilindro 4. Todos muito próximos da pressão nominal.
Antes da retirada do conjunto mecânico, a atenção se volta para as caixas de roda. Nos freios, as medições de espessura de discos e pastilhas estavam dentro dos limites tolerados pela marca chinesa, com pouco mais de 1 mm de material em cada disco e as pastilhas na metade da vida útil.
Contudo, a Chery não define uma tolerância para desvio lateral dos discos, sendo que o traseiro esquerdo apresentou desvio de 0,35 mm e o direito, de 0,40 mm, sendo eles os culpados pela trepidação nos freios relatada pelos usuários nos últimos tempos.
O passo seguinte é a desmontagem da suspensão, um conjunto que deu o que falar e também trabalho às concessionárias. Isso porque, por mais que garantisse uma boa estabilidade em retas, vacilava com rebotes fortes ao encontrar relevos.
Foram constantes os relatos de barulhos na suspensão, que as concessionárias corrigiam com reapertos recorrentes. Mesmo na revisão dos 50.000 km, quando o carro chegou à concessionária tombado para a esquerda e com a dinâmica prejudicada.
O efeito de tantos reapertos foi notado no desmonte. “Alguns componentes, como as bandejas da suspensão, estavam com torque excessivo. Se tivéssemos que realizar a manutenção delas ainda montadas no veículo, teríamos extrema dificuldade”, explica o técnico Fábio Fukuda.
Soltar tudo deu trabalho, mas não encontramos sinais de fadiga nos componentes das suspensões, McPherson na dianteira e multilink na traseira. Todas as buchas de bandejas, terminais de direção, mancais e ligações das barras estabilizadoras e amortecedores estavam em bom estado levando-se em consideração a distância percorrida. Só os coxins dos amortecedores dianteiros apresentaram desgaste maior.
Os componentes, em si, estão aprovados. Resistiram aos 60.000 km. Mas a fixação deles, os efeitos no comportamento do carro e a constante necessidade de reapertos são problemas e requerem atenção dos proprietários, dos concessionários e da fabricante.
Com a suspensão fora do carro, retiramos motor e câmbio. E tivemos boas surpresas. Ao retirar o cabeçote, veio a confirmação do que a aferição de compressão indicara: a câmara de combustão estava extremamente limpa e sem sinais de carbonização nas válvulas e cabeça dos pistões.
Pela parte inferior do bloco (que é de ferro) retiramos um virabrequim em estado de novo, ainda com munhões e moentes dentro das especificações da fábrica para uma peça nova. Não constatamos desgaste nenhum nele ou em suas bronzinas de mancal e bielas, apesar de o fabricante não disponibilizar os valores de espessura das bronzinas.
O clima dentro dos cilindros pode não ser tão agradável entre compressões e detonações, mas não vimos nenhum sinal desse estresse nos anéis dos pistões ou na parede dos cilindros. A propósito, medimos meros 0,01 mm de ovalização nos cilindros 1 e 4. “O motor chegou ao final do teste em perfeito estado e com todos os parâmetros por nós aferidos rigorosamente dentro do especificado pela Chery”, relata Fukuda.
E, então, chegamos ao personagem mais angustiante deste longo teste: o câmbio. Este câmbio de embreagem dupla a seco e seis marchas, 6DCT250 é o Powershift que tantos processos rendeu à Ford, em uma versão atualizada. Ainda assim, rendeu muitas reclamações sobre trepidação, trocas agressivas e reações lentas ao longo dos 60.000 km.
Não houve contaminação de óleo nas embreagens, falha que acometeu muito dos Ford, assim como não houve as patinadas características ou superaquecimento. O que restou dos tempos de Ford foram as trepidações e trocas com solavancos.
“Tais problemas vêm do controle de altura do sistema de dupla embreagem, com software que falha por não conseguir identificar a altura correta de liberação do disco de embreagem. Sem sinais de danos na área das embreagens e com o fluido da transmissão em bom estado e sem indicar problemas de desgaste nas engrenagens internas, optamos por não desmontar a caixa por completo”, explica Fukuda.
As várias reprogramações do câmbio nas passagens pelas concessionárias não foram capazes de normalizar o comportamento da transmissão.
As grandes surpresas vieram na desmontagem do interior. Terminais elétricos íntegros, tomadas de passagem bem localizadas e ausência de oxidação são pontos positivos do sistema elétrico.
Mas chamou atenção que todos os painéis de acabamento têm poucos pontos de fixação, o que permite que sofram torção e isso pode ter resultado no aumento no nível de ruído interno entre o primeiro e o último teste.
“O caso mais impressionante é dos painéis laterais do porta-malas, que são extensos e, além de poucos pontos de fixação, têm apenas um acolchoado (o que evita que o painel vibre) de cada lado. Na última volta com o carro, notei barulhos vindos da traseira”, detalha o consultor.
Outro ponto fraco está nas vedações do Chery Tiggo 5X. Borrachas das portas permitiram a entrada de grande quantidade de pó no habitáculo. Além disso, a infiltração de água no porta-malas se mostrou muito mais grave do que aparentava. O acúmulo no tampão do porta-malas, na verdade, era a exceção.
O apêndice na tampa, que faz as vezes de aerofólio, é fixado por dois parafusos nas extremidades e por uma trava central, sem porca ou qualquer vedação, permitindo a entrada de pó, que se acumulou na moldura interna. A água descia pelo vidro e pela tampa até atingir a fechadura do porta-malas e, assim, chegar ao assoalho do compartimento.
O efeito disso foram pontos de ferrugem superficial espalhados pelo assoalho do porta-malas e até sob o banco traseiro (possivelmente por outra falha de vedação), além de ter deixado a trava da fechadura com aspecto de metal de sacrifício, tamanha a quantidade de oxidação na peça, que era escondida pelos plásticos de acabamento.
O Tiggo 5X foi bem nos componentes que mais costumam sofrer com o “fator Brasil”, que são motor e suspensão. Mas fazia tempo que não víamos falta de cuidado com acabamentos internos, especialmente nessa faixa de preço. O Volkswagen Virtus também teve problema com entrada de água no porta-malas, mas não sofreu com pó ou ferrugem. São essas as ressalvas dessa aprovação.
O mais difícil a Chery já fez. Agora falta corrigir coisas bobas e trocar o câmbio pelo CVT dos sedãs Arrizo para ter um carro sem ressalvas.
Veredicto
Com motor e suspensão resistentes, e bom serviço das concessionárias, o Tiggo 5X foi aprovado. Mas ainda não é o melhor do mundo. A Caoa Chery tem a oportunidade de melhorar o SUV na linha 2023 com a troca do câmbio vacilante pelo CVT, revendo a fixação da suspensão e melhorando a vedação da cabine.