Maratona: rodamos com quatro tipos de híbridos até a gasolina acabar
Honda Civic, Kia Stonic, GWM Haval H6 e BYD Song Plus são tipos diferentes de híbridos. Qual deles é capaz de ir mais longe em teste pelo Brasil?
Quando Ferdinand Porsche, ele mesmo, criou o primeiro carro híbrido da história, em 1900, parecia complicação desnecessária. Por que lidar com dois motores – um a gasolina e um elétrico –, quando o acesso ao combustível fóssil era tão barato e descomplicado, pensou a indústria como um todo à época.
Mais de um século se passou, e nisso tudo mudou. Já há consenso sobre o futuro elétrico dos automóveis em geral, com um espaço reduzido destinado a alternativas como a gasolina sintética, por exemplo. Nessa transição do petróleo para a eletricidade, os carros híbridos são a ponte inevitável.
Etapas de uma mudança complicada, os híbridos também se apresentaram como um interessante convite à engenhosidade das montadoras, que perceberam distintos caminhos dentro de uma mesma ideia.
Dos híbridos leves (MHEVs) aos plug-in (PHEVs), muita coisa é diferente e, no mercado nacional, já existem boas opções para o nível de eletrificação que os consumidores desejam (e podem pagar). Para mostrar esse cenário, QUATRO RODAS pôs o pé na estrada: em uma maratona que saiu de São Paulo, chegou a Franca (SP), a 395 km da capital, quase no Triângulo Mineiro, e voltou, analisamos como quatro tipos de híbridos, com tecnologias diferentes, se comportaram sob diversos aspectos, sendo o principal deles a autonomia.
A prova especial mobilizou quase todo o nosso contingente. Enquanto eu, Eduardo Passos, a repórter Isadora Carvalho, o editor Henrique Rodriguez e o redator-chefe, Paulo Campo Grande, assumimos os volantes, o piloto de testes Leonardo Barboza seguiu em um carro de apoio, na companhia do fotógrafo e cinegrafista Fernando Pires, captando cada lance da jornada.
Rodamos com BYD Song Plus, GWM Haval H6, Honda Civic Híbrido, Kia Stonic até que a energia (eletricidade e gasolina) de todos acabasse completamente.
Nos revezamos tanto ao volante quanto na ordem dos carros no comboio, a fim de corrigir distorções de consumo ligadas ao estilo de direção de cada motorista e à aerodinâmica (o primeiro da fila, sempre enfrenta um pouco mais de resistência do vento). Além disso, padronizamos a temperatura do ar-condicionado de cada modelo e nos certificamos de que todos rodavam no modo de condução mais econômico oferecido.
KIA STONIC Híbrido mais barato do Brasil, o SUV compacto Kia Stonic (R$ 147.990) entrou na disputa representando os híbridos leves, a forma mais sutil oferecida pela indústria para alinhar um motor a combustão a um elétrico. Na prática, o motor elétrico de um MHEV (sigla em inglês para mild hybrid electric vehicle) é praticamente um alternador bem mais robusto, conectado ao virabrequim através de uma correia dentada – o chamado sistema BSG (belt starter generator) – que funciona em sistema de 48 V e não 12 V.
Sua função mais perceptível é o modo Velejar, no qual o motor 1.0 turbo simplesmente é desligado em velocidades de até 120 km/h para economizar combustível. É um start–stop mais complexo, que funciona principalmente em descidas longas. O impacto disso fica notável principalmente na estrada, onde, em nosso teste de 2022, o Stonic cravou 16,1 km/l. Resultado que é melhor do que o de qualquer outro SUV turbo.
O funcionamento do modo Velejar só é identificado por meio de um pequeno aviso no painel e, principalmente, pelo conta-giros, que simplesmente despenca. No fim, o sistema acabou funcionando menos do que poderia, em nosso teste, já que era interrompido a cada toque no freio ou acelerador. E os 2 kgfm de torque que o BSG acrescenta também foram pouco notados.
Em nossa maratona, o Kia Stonic era forte candidato à primeira baixa, por conta de seu tanque de combustível pequeno, de 45 l, e eletrificação leve. Foi o que de fato ocorreu, mas o SUV compacto ainda percorreu mais de 50 km após o computador indicar autonomia nula. O fim da linha veio apenas depois de 664 km de viagem, com o Kia terminando a maratona com o consumo médio 14,7 km/l.
HONDA CIVIC A engenharia é movida por resultados e, por isso, temos o motor a combustão do jeito que conhecemos hoje: uma solução incomparavelmente confiável, mais barata e adequada às necessidades de um automóvel.
Quando motores elétricos são adicionados à equação, entretanto, ainda há espaço para muita tentativa e ideias diferentes, como as da Honda. O sistema e:HEV da japonesa foi lançado em 2020 e utiliza dois motores elétricos, alinhados com um motor 2.0 aspirado. Até aí, nada demais; mas o segredo está no computador.
Em linhas gerais, motores elétricos são muito mais eficientes que os a combustão, na cidade. Na estrada, ainda que por uma margem menor, isso se inverte. O e:HEV mostra sua virtude ao entender bem esses momentos, graças a sistemas bem calibrados e eletrônica caprichada dos japoneses.
O resultado é que, em várias vezes ao longo da viagem, o Civic era um carro elétrico na prática, já que todo torque e potência vinham de um dos motores do tipo. Quando mantínhamos velocidades mais altas, em estradas mais rápidas, o 2.0 passava a atuar sozinho.
Além disso, ele também trabalha como gerador de eletricidade para os outros motores, funcionando em regime fixo de alta eficiência e dispensando a necessidade de baterias grandes [há apenas uma reserva (buffer) de 1,0 kWh].
Em cenários específicos, é possível até um arranjo mais heterodoxo, no qual o 2.0 alimenta um motor elétrico que faz duas coisas: carregar a bateria e ajudar a tracionar o carro. A bateria, por sua vez, alimenta um segundo motor elétrico, que também contribui na tração.
Pode parecer loucura, mas é justamente essa habilidade na orquestração dos motores que torna o Civic e:HEV tão eficiente, com marcas de 22,5 km/l na cidade e 17,9 km/l em nosso teste de pista (edição 766, fev/23). Na maratona, sua autonomia foi prejudicada pelo tanque de combustível de apenas 40 litros: o sedã da Honda teve o melhor consumo médio na viagem, 17,7 km/l de gasolina. Mas foi o segundo a parar, seguindo viagem por 710 km – 46 km depois do Kia Stonic.
GWM HAVAL H6 Em 1997, a Toyota lançou o Prius, primeiro carro híbrido de produção em série no mundo. Naquela época, ela já trazia o que se tornaria trivial no segmento, o híbrido pleno ou convencional, também chamado de HEV, que equipa essa versão do GWM Haval H6, mostrado aqui.
É basicamente uma evolução em relação ao Stonic. O alternador ganhou relevância, com robustos 136 cv e cerca de 25 kgfm. Mas quem funciona como motor a combustão (ou gerador de eletricidade) é mesmo um 1.5 turbo de 171 cv e 29 kgfm, que assumiu o protagonismo em grande parte de nossa viagem como a principal fonte de tração do SUV médio.
Comparado ao Civic, o Haval H6 perde apenas um motor elétrico. Com esse motor a menos, porém, também se perdem diversas possibilidades de circular energia pelo carro, tornando esse e outros híbridos muito eficientes em alguns cenários e fracos em outros.
Em teste de abril (ed. 768), o Haval H6 HEV fez bons 16,5 km/l de gasolina na cidade. Na estrada, o resultado foi fraco: 12,7 km/l, rigorosamente igual ao obtido por nós durante o bate e volta a Franca. O chinês foi o penúltimo a parar, mas por conta de seu tanque de 60 litros. Rodou longos 764 km, mas terminou com o pior consumo médio.
BYD SONG PLUS O último estágio antes do carro ser puramente elétrico é quando falamos de um veículo híbrido plug-in, ou seja, com conexão aos carregadores dos eletropostos. Na prática, essa é uma evolução dos híbridos convencionais, acrescentando baterias bem maiores (aqui de 8,3 kWh, mas que podem superar os 30 kWh) e até mais de um motor.
Isso abre espaço para se aproveitar melhor a energia durante as frenagens regenerativas e, em momentos de demanda prolongada, gastando apenas bateria sem exigir do motor a combustão.
No Song Plus, a bateria permite até 51 km de rodagem 100% elétrica. Mas essa é uma péssima estratégia em uma viagem longa, onde mais de 700 km seriam percorridos só à base do 1.5 aspirado de 110 cv e 13,8 kgfm, visivelmente despreparado para funcionar sozinho por muito tempo. A saída é se comportar quase como um HEV, usando a eletricidade para gerenciar a dupla de motores.
Com mais flexibilidade nessa conta, era para o Song Plus ao menos se aproximar dos 19,6 km/l que marcara em nosso teste em novembro de 2022 (ed. 751). Na prática, o resultado foi um amargo 13,1 km/l, que o colocou na penúltima posição em termos de consumo; resultado surpreendente.
Com 58 litros de tanque, entretanto, o BYD dirigido pela equipe entrou em pane seca segundos após o Haval H6, parando a poucos metros do conterrâneo. De fato é o que foi mais longe em nossa maratona, com 765 km percorridos, mas não chegou perto de se mostrar o mais eficiente com as ferramentas que tem.
Essa honra é indiscutivelmente do Civic, com seu gerenciamento inovador de recursos. Um lembrete de como, hoje em dia, mecânica já não é muita coisa sem eletrônica junto.
Também merece menção o Stonic, com uma solução barata que acrescenta cerca de R$ 10.000 em seu preço. É questão de tempo para que o sistema MHEV seja comum em carros nacionais de volume. Que bom.
Veredicto Quatro Rodas
Entre as peculiaridades que os carros eletrificados trarão, há a característica de que determinados veículos rendam bem acima da média na cidade ou estrada, eventualmente compensando esse destaque com performance inferior no outro cenário. Outros, como o Honda Civic e:HEV, se destacam em ambos os casos, indicando à indústria caminhos que devem ganhar força nos próximos anos.
Kia Stonic
De tão discreta, a eletrificação leve do Stonic só é perceptível quando o conta-giros simplesmente despenca para o zero em plena estrada, indicando a função Velejar.
Segundo a Kia, o BSG é capaz de fornecer até 2,0 kgfm extras quando o motorista crava o pé no acelerador, mas é difícil discernir essa melhoria na performance.
O consumo, entretanto, é melhor do que qualquer outro SUV 1.0 turbo à venda no Brasil.
Ficha Técnica:
Motor: gas., diant., transv., 3 cil., 16V, turbo, 998 cm³; elétrico, 48 V. 120 cv a 6.000 rpm e 20,4 kgfm a 2.000- 3.500 rpm
Câmbio: DCT, 7 marchas, tração dianteira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.) e eixo de torção (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.) e disco sólido (tras.)
Pneus: 205/55R17
Peso: 1.256 kg
Dimensões: compr., 414 cm; larg., 176 cm; altura, 152 cm; entre-eixos, 258 cm; tanque, 45 l; porta-malas, 325 l
Bateria: 0,4 kWh
GWM HAVAL H6
O motor elétrico faz bonito na cidade, onde o consumo do GWM Haval H6 HEV surpreendeu em nossos testes.
Em rodovias, ele é pouco útil e usado, por exemplo, em retomadas pontuais de velocidade.
Na maior parte da viagem, o carro ficou à mercê do 1.5 turbo com apenas duas marchas, justificando o inesperado consumo ruim
na maratona.
Ficha Técnica
Motor: gas., diant., transv., 1.499 cm³, turbo, 16V, injeção direta; elétrico, diant.; 243 cv, 54 kgfm (combinados)
Câmbio: aut., 2 marchas, tração dianteira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.) e multilink (tras.)
Freios: disco sólido (diant. e tras.)
Pneus: 235/55 R19
Peso: 1.699 kg
Dimensões: compr. 468,3 cm; larg., 188,6 cm; altura, 173 cm; entre-eixos, 273,8 cm; tanque, 60 l; porta-malas, 560 l
Bateria: 1,6 kWh
Honda Civic
Destaque do teste. O arranjo altamente engenhoso da Honda mostrou seu valor e o Civic, além da performance divertida, cravou consumo inigualável. Mesmo com bateria pequena, os motores elétricos deixam-no ágil; “anda como Civic Si e bebe como Kwid”, dissemos em janeiro (e mantemos).
Não à toa, outras marcas indicam seguir o caminho do e:HEV. É o caso da Nissan, que trará o seu sistema e-Power ao Brasil no ano que vem, em carro ainda desconhecido.
Ficha Técnica
Motor: gas., diant., 4 cil., 16V, 1.993 cm³, 143 cv a 6.000 rpm, 19,1 kgfm a 4.500 rpm; elétrico: 184 cv, 32,1 kgfm; tração dianteira
Câmbio: CVT, 1 marcha, tração dianteira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.), multilink (tras.)
Freios: disco ventilado (diant. e tras.)
Pneus: 215/50 R17
Peso: 1.449 kg
Dimensões: compr., 467,9 cm; larg., 180,2 cm; altura, 143,2 cm; entre-eixos, 273,5 cm; tanque, 40 l; porta-malas, 495 l
Bateria: 1,0 kWh
BYD Song Plus
A bateria do Song Plus é no mínimo cinco vezes maior do que a de qualquer outro carro da maratona.
O sistema da BYD, porém, não soube utilizar isso de maneira orquestrada com o motor a combustão. No fim das contas, o consumo decepcionou e o Song Plus só foi mais longe por conta do tanque de combustível mais volumoso da maratona.
Ficha Técnica
Motor: gas., diant., transv., 4 cil., 16V, 1.497 cm³, 110 cv, 13,8 kgfm. Elétrico, diant., 179 cv, 32,2 kgfm
Câmbio: CVT, tração dianteira
Direção: elétrica
Suspensão: McPherson (diant.) e multilink (tras.)
Freios: disco ventilado (diant.) e disco sólido (tras.)
Pneus: 235/50 R19
Peso: 1.700 kg
Dimensões: compr., 470,5 cm; larg., 189 cm; altura, 168 cm; entre-eixos, 276,5 cm; tanque, 58 l; porta-malas, 574 l
Bateria: 8,3 kWh
Teste Comparativo Quatro Rodas
CIVIC | STONIC | HAVAL H6 | SONG PLUS | |
Aceleração | ||||
0 a 100 km/h | 7,1 s | 12,5 s | 8,8 s | 9,7 s |
0 a 400 m | 28,8 s – 174,7 km/h | 33,8 s – 155,7 km/h | 30,2 s – 165,7 km/h | 32,0 s – 161,4 km/h |
Velocidade Máxima | n/d | 190 km/h | 175 km/h | 186 km/h |
Retomadas | ||||
D 40 a 80 km/h | 3,7 s | 5,5 s | 4,8 s | 4,2 s |
D 60 a 100 km/h | 4,4 s | 7,4 s | 5,6 s | 5,7 s |
D 80 a 120 km/h | 5,9 s | 9,5 s | 7,1 s | 8,2 s |
Frenagens | ||||
60/80/120 km/h a 0 | 13,9/24,9/56 m | 14,2/25,2/56,6 m | 15,8/28,0/63,4m | 14,8/26,4/59,4 m |
Consumo | ||||
Urbano | 22,5 km/l | 13,1 km/l | 16,5 km/l | 22,2 km/l |
Rodoviário | 17,9 km/l | 16,1 km/l | 12,7 km/l | 19,6 km/l |
Ruído Interno | ||||
Neutro/RPM máx. | -/- dBA | 38,4/62,6 dBA | 47,2/- dBA | 42/- dBA |
80/120 km/h | 62,1/67,9 dBA | 64,1/69,3 dBA | 62,5/68,7 dBA | 61,7/68,7 dBA |
Aferição | ||||
Velocidade real a 100 km/h | 96 km/h | 96 km/h | 96 km/h | 97 km/h |
Rotação do motor a 100 km/h em 5º Marcha | – | 2.200 rpm | 2.100 rpm | – |
Volante | 2 voltas | 3 voltas | 2 voltas | 2,7 voltas |
Seu bolso | ||||
Preço | R$ 244.990 | R$ 147.990 | R$ 209.900 | R$ 269.990 |
Concessionárias | 212 | 130 | 50 | 18 |
Garantia | 3 anos | 5 anos | 5 anos | 5 anos |
Condições de teste: Civic: alt. 660 m; temp., 34 °C; umid. relat., 51%; press., 1.012,5 mmHg. Stonic: alt. 660 m; temp., 27,5 °C; umid. relat., 57%; press., 1.012 mmHg. Haval H6: alt. 660 m; temp., 26,5 °C; umid. relat., 61%; press., 1.013 kPa. Song Plus: alt. 660 m; temp., 29 °C; umid. relat., 49,5%; press., 1.010 kPa.