Tenho certeza de que, enquanto escrevo, Hans Werner Aufrecht e Erhard Melcher sentem uma inexplicável queimação no estômago. Há pouco mais de cinco décadas, esses dois engenheiros alemães se juntaram para criar a AMG, preparadora da Mercedes-Benz – e que se tornou divisão da marca em 1999.
Só que, agora, as iniciais estão espalhadas por modelos com visual atualizado (e só) ou pseudograndalhões como o GLC que está na foto acima. Para colocar um SUV desses na garagem de casa, você terá que fazer uma transferência bancária de R$ 654.900. Ou seja, pouco menos que a bufunfa cobrada pelo parente (e, neste caso, concorrente) C 63 S, vendido a R$ 698.900.
Considerando somente a linhagem pura da AMG – aqueles com motores artesanais e assinados –, essa é a opção mais barata. Mas, como já te disse, há desde hatches turbinados até utilitários híbridos com o logotipo da empresa com sede em Affalterbach.
Nesta recém-chegada reestilização, a versão esportiva herdou boa parte das mudanças do GLC convencional. Não duvido que fãs da Mercedes-Benz reconheçam de longe os faróis levemente redesenhados e as lanternas com nova iluminação.
E ainda que a atualização por fora seja bem sutil, apenas suficiente para evitar bullying no showroom até a chegada da nova geração, já em testes na Europa, o SUV finalmente ganhou sistema de entretenimento com inteligência artificial MBUX.
Talvez seja difícil de acreditar que, até agora, a central multimídia nem sequer oferecia uma tela sensível ao toque. Mas, para compensar o atraso, o utilitário tem comando por voz capaz de controlar até algumas funções do veículo.
Se a cabine está um pouco desatualizada em relação aos modelos mais novos (como Classe A, CLA e GLE), o último banho de loja disfarça essa sensação com o quadro de instrumentos digital de 12,3 polegadas e a central multimídia de 10,2 polegadas.
É claro que, ser o “AMG de verdade” mais barato também significa que esse modelo é um dos mais caros à venda. Por isso, não é surpresa que seu acabamento seja impecável. Se o GLC continua em pé de igualdade nesse quesito quando comparado ao BMW X5 – e à frente do Audi Q5 –, em relação aos materiais, a configuração esportiva eleva ainda mais o patamar com peças de fibra de carbono e alumínio.
Pelas fotos, você pode até achar que o interior é um pouco careta. Afinal, cadê os bancos em forma de concha, os revestimentos de Alcantara e as costuras coloridas do AMG GT R?
Ok, talvez um pouco mais de vida caísse bem à cabine, mas não dá para esquecer que o SUV tem proposta diferente do cupê (e bem mais sóbria). Neste caso, o tom da graça vem do volante que até parece obra de joalheria, com direito a duas pequenas telas.
Pelo motivo que já falei – caso você não lembre, o AMG GLC 63 passa de meio milhão –, a lista de itens vem recheada com piloto automático adaptativo, alerta de mudança de faixa, assistente de estacionamento, sistema de câmeras 360°, head-up display, som Burmeister, chave presencial com partida por botão, bancos dianteiros com ajustes elétricos, soleiras iluminadas e, agora, carregador sem fio para o celular.
No caso da opção topo de linha, ainda há uma série de recursos dignos dos esportivos de puro sangue, como sistema de bloqueio do diferencial traseiro, tração integral com distribuição variável de torque (que pode ser totalmente traseira ou repartida igualmente entre os dois eixos), suspensão a ar capaz de ajustar o amortecimento de acordo com as condições da via, escapamento esportivo, freios mais parrudos e controle eletrônico de largada.
Apesar das mudanças no desenho – e também no pacote de tecnologias –, o SUV não mudou nada debaixo do capô. E isso não é necessariamente ruim. Tudo bem que essa versão continua um pouco amansada em relação ao irmão de carroceria cupê, que tem quase 34 cv e 5 kgfm a mais. Só que o motor V8 4.0 biturbo está (muito) longe de ser apático: são 476 cv e 66,3 kgfm, sempre com câmbio automatizado de múltiplas embreagens com nove marchas.
Como você já deve imaginar pela descrição do parágrafo anterior, não falta fôlego ao AMG GLC 63. Só que os avanços da engenharia alemã ainda não foram suficientes para contrariar as leis da física: são 2.015 kg com o entusiasmo de um rinoceronte – e esse animal nunca foi conhecido pela agilidade, não é mesmo?
Para evitar desastres, há uma série de recursos que mantêm o SUV de pé, mesmo quando você pensa que verá o mundo de cabeça para baixo. O problema é que tudo parece previsível. Aliás, previsível demais. E isso pode ser bem frustrante quando as iniciais de Aufrecht e Melcher estão espalhadas por todos os lados.
Claro que o ronco do escapamento arranca sorrisos, assim como o frio da barriga nas retomadas e até os ajustes das personalidades (suspensão, modos de condução e distribuição de torque são controlados separadamente). Só que ainda parece faltar algo. Se as cabeças pensantes na Mercedes-AMG ainda não foram capazes de contrariar Newton, estão bem perto disso.
Quer uma prova? Mesmo sendo (bem) mais pesado e um pouco menos potente que o C 63 S – que tem 1.755 kg e 510 cv –, o SUV foi mais rápido nos testes: apenas 4 s no 0 a 100 km/h, contra 4,8 s do sedã. O segredo do irmão maior está na tração integral, enquanto o Classe C envia toda a força do seu motor apenas para as rodas traseiras.
No caso dos modelos esportivos, mais que nunca se aplica a teoria do cobertor curto. Afinal, é melhor ter dinâmica afiada ou perder um pouco de prazer pela praticidade? Não espere que o GLC todo-poderoso seja como os irmãos criados com um pezinho nas pistas, porque aí é decepção na certa.
Se você quer alguns momentos de diversão sem cuidar cada vez que passa pelas lombadas, vá em frente. Quer emoção de verdade? Pense em outro carro.
Veredicto
Se basta sentir um pouco de frio na barriga ao pisar no acelerador e ouvir o barulho do motor assinado pela AMG para te fazer feliz, esta pode ser uma boa opção (e sem comprometer a praticidade no dia a dia).
Só não espere que um SUV de duas toneladas tenha o comportamento dos esportivos da grife, porque a física claramente impõe limites à dinâmica do modelo. Ainda assim, os números de testes na pista impressionam.
TESTE
Aceleração
0 a 100 km/h (s) 4
0 a 1.000 m (s; km/h) 22,3/235
Velocidade Máxima (km/h*) 250 (lim. eletronicamente)
Retomadas
D 40 a 80 km/h (s) 1,8
D 60 a 100 km/h (s) 2,4
D 80 a 120 km/h (s) 2,6
Frenagens
120/80/60 km/h – 0 (m) 54,4/24,6/13,7
Consumo
Urbano/rodoviário (km/l) 6,7/10,6
Ruído interno
PM/ Rot. Max/80/120 km/h (dBA) 43,3/63,2/63/66,6
Aferição
Velocidade indicada (km/h) 100
Velocidade real (km/h) 98
Rotação do motor (rpm) 1.400
Seu bolso
Preço (R$) 654.900
Garantia/assistência 24h (anos) 2/2
Revisões (3) (R$) n/d
**Seguro (R$) 9.947
Condições de teste: alt. 660 m; temp., 16,5 °C; umid. relat. do ar, 65%; pressão, 1.035,5 kPa
*Dados de fábrica **TEx/Teleport
FICHA TÉCNICA
Motor: gasolina, dianteiro, longitudinal, 8 cilindros em V, biturbo, injeção direta, 32V, 3.982 cm³, 83 x 92 mm; 476 cv a 5.500 rpm, 66,3 kgfm a 1.750 rpm
Câmbio: automatizado de múltiplas embreagens, 9 marchas, tração integral
Direção: elétrica; diâmetro de giro, 11,9 m
Suspensão: McPherson (dianteiro e traseiro) com bolsas de ar
Freios: disco ventilado (dianteiro e traseiro)
Pneus: 265/40 R21 (dianteiro) e 295/35 R21 (traseiro)
Dimensões: comprimento, 467,9 cm; largura, 193,1 cm; altura, 162; entre-eixos, 287,3 cm; vão livre do solo, 15,8 cm; porta-malas, 550 l; tanque de combustível, 66 l; peso, 2.015 kg; peso/potência, 4,2 kg/cv; peso/torque, 30,4 kg/kgfm
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